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Pessoas não identificadas jogaram gás lacrimogêneo contra pessoas que atendiam a uma manifestação com o presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó
Pessoas não identificadas jogaram gás lacrimogêneo contra pessoas que atendiam a uma manifestação com o presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, em Caracas, em 1º de abril. Tiros também foram ouvidos | Foto: Federico Parra/AFP| Foto:

Os “coletivos” não são tão grandes quanto as forças armadas da Venezuela, mas eles ajudam a explicar como o ditador Nicolás Maduro tem permanecido no poder nos últimos meses, mesmo com a economia em queda livre, apoio popular à oposição, pressão internacional e uma crise elétrica que deixou boa parte do país no escuro e sem água potável. Esta força paramilitar é ágil e comprometida – e tem uma capacidade extraordinária de semear o terror.

Uma estimativa de Alejandro Velasco, professor de história da Universidade de Nova York que estudou o fenômeno, aponta que os coletivos somam entre 5.000 e 7.500 membros, que atuam majoritariamente nas cidades.

Suas raízes estão ligadas a guerrilhas de inspiração cubana, que lutaram contra os governos anti-comunistas da Venezuela nos anos 1960. Depois desse conflito, alguns ex-rebeldes voltaram para os bairros pobres determinados a disseminar o socialismo por meio de atividades comunitárias – oferecendo aulas, exibindo filmes, distribuindo pão de graça – e protegendo os moradores de policiais corruptos.

Sob a bandeira da “revolução bolivariana” de Hugo Chávez, antecessor de Maduro, o número desses pequenos grupos armados cresceu. Alguns foram autorizados a controlar bairros e administrar atividades criminosas como tráfico de drogas e extorsão, segundo analistas. Em troca, eles conseguiram votos e forneceram apoio político.

Mas Chávez, que governou de 1999 até sua morte em 2013, era popular. Ele não dependia dos coletivos. “Ele não precisou usar a violência”, disse Rafael Uzcátegui, coordenador do grupo de direitos humanos Provea. “Chávez podia manter o controle político do país”.

Maduro, em contraste, é amplamente condenado pela má administração econômica que trouxe a hiperinflação e escassez de alimentos e remédios a essa nação rica em petróleo. “É por isso que recorrer à violência e à intimidação tem sido tão importante”, disse Uzcátegui.

Atuação

Os coletivos paramilitares variam amplamente nas suas atividades e organização, e segundo Velasco, podem ser identificados em três tipos.

O primeiro grupo é de longa data, com origens anteriores ao chavismo, que remontam à experiência dos guerrilheiros dos anos 1960. Eles também realizam trabalhos sociais em seus bairros de atuação, o que lhes confere legitimidade entre os moradores, com exceções. Estes grupos, porém, entraram em confronto com os chavistas por criticarem a falta de compromisso ideológico da elite do regime.

Outra vertente surgiu entre 2007 e 2012, em plena expansão de Chávez, segundo explicou Velasco em entrevista ao site Nueva Sociedad. Eles têm como modelo o grupo anterior e desenvolvem certas funções de defesa similares em seus bairros, juntamente com um trabalho social, mas seu posicionamento ideológico é muito mais comprometido com o "socialismo do século 21", ou seja, muito mais próximo do chavismo.

Geralmente eles são formados por pessoas mais jovens, com menos experiência de luta social em suas comunidades, mas dispostos a desenvolvê-la. Durante o auge do regime chavista, como conta o professor, eles aproveitaram os vastos recursos do estado para fazer isso, mas quando o dinheiro se tornou escasso, alguns passaram a praticar atividades criminosas, fazendo uso de seus contatos no governo, suas armas e do seu controle em pequenos espaços.

Por último surgiram os “coletivos disfarçados”, após o ciclo de protestos anti-Maduro de 2014. Eles são compostos por atuais ou antigos policiais ou guarda-costas do governo.

“Sua lealdade primária não é ao 'chavismo' ou a um projeto ideológico ou a uma visão esquerdista radical de mudança, mas basicamente a permanecer no poder”, disse Velasco ao Washington Post.

E “poder”, para estes grupos, frequentemente significa acesso a fundos ou bens do governo. Embora seja difícil definir com precisão os vínculos entre os grupos e o Estado, alguns foram encarregados da distribuição de pacotes de alimentos do governo em áreas pobres – o que os deu controle sobre bairros famintos. Alguns podem ser pagos por indivíduos no governo, dizem analistas.

Impunidade

Um grupo de cerca de 100 motoqueiros de capacete negro em roupas escuras passa regularmente fazendo barulho pelo centro colonial de Caracas, perto do palácio presidencial de Miraflores, agitando as gigantescas bandeiras vermelhas do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Eles conseguem ser intimidadores mesmo que não mostrem suas armas.

Outros, porém, não hesitam em ameaçar e usar a violência. Apenas em fevereiro foram registrados ataques com armas de fogo conduzidos pelos coletivos em nove estados venezuelanos, segundo o Observatório de Conflitos Sociais.

Os grupos paramilitares são eficazes em parte porque gozam de impunidade. Enquanto os tradicionais coletivos estavam incorporados em suas comunidades, muitos dos mais novos não estão, e é difícil para os cidadãos identificarem os membros. Eles mascaram seus rostos e suas motocicletas geralmente não possuem placas. Com o aumento da instabilidade política, até bandos de ladrões de carros ou outros criminosos estão se intitulando “coletivos”, disse David Smilde, especialista em Venezuela da Universidade de Tulane.

“Eles cumprem o trabalho clássico dos paramilitares, realizando tarefas de segurança violentas que os agentes de segurança uniformizados não poderiam fazer”, explicou.

Em entrevista para a BBC Mundo em fevereiro, membros dos coletivos afirmaram que acreditam que em breve haverá um “conflito com muitas baixas” na Venezuela, e que eles estarão prontos para lutar para defender seus “ideais de esquerda” e o “legado de Chávez”. “"Eu daria a minha vida pela revolução, é claro que sim", disse um deles que atende pelo apelido de “Sombra”.

O coletivos se tornaram particularmente importantes em um momento em que o governo parece hesitar em usar o exército para acabar com as manifestações.

A liderança militar é leal a Maduro, mas muitos soldados estão passando fome, assim como milhões de venezuelanos, e podem desafiar ordens superiores. Há também o receio de que uma ação mais violenta contra a população possa justificar uma interferência humanitária ou pelo menos contribuir para piorar ainda mais a imagem do ditador em um momento em que todo o mundo está prestando atenção no conflito venezuelano.

Talvez a arma mais importante dos coletivos paramilitares seja a sua capacidade de semear o medo entre a população.

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