Os drusos compõem apenas 1,5% da população de Israel, mas, nas últimas semanas, ganharam o centro do debate a respeito da nova legislação com que o país define a si mesmo. Chamado de “lei do estado-nação”, o texto foi aprovado em meados de julho e descreve Israel como um “estado do povo judeu”, fazendo grupos historicamente aliados se sentirem excluídos e temendo discriminações futuras. Entre eles estão os drusos, uma minoria árabe que se identifica como israelense desde a criação do país moderno, em 1948. Agora, eles estão tomando as ruas de Tel Aviv para protestar contra a nova lei e cobrar um texto mais igualitário.
A legislação veio após quase sete anos de debates e tinha a intenção de dar uma descrição mais clara sobre o status de Israel e seus habitantes, hoje ainda fortemente definidos pela Declaração de Independência escrita há sete décadas, quando os britânicos cederam aos hebreus o controle formal da região da Palestina. Por ser uma “Lei Básica”, o novo texto é adotado com força equivalente à de um dispositivo constitucional.
Controversa desde que foi proposta, em 2011, a nova definição do estado-nação finalmente passou no Knesset (o parlamento israelense) em 19 de julho, com 62 votos a favor, 55 contrários e duas abstenções.
Segundo o premiê Benjamin Netanyahu, o texto não prejudica nenhum cidadão do país e era necessário para garantir “o futuro de Israel como o estado do povo judeu para as próximas gerações”.
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Embora os defensores da lei aleguem que se trata de um instrumento principalmente simbólico, grupos minoritários integrados no cotidiano democrático do país temem que ela venha a ser usada para favorecer os judeus em detrimento de outros povos. Grupos como os drusos entendem que há margem para que passem a ser vistos como “cidadãos de segunda classe”.
Para Anwar Saeb, um coronel druso que atuou por vinte anos no Exército Israelense e hoje coordena os protestos contra a nova lei, uma forma de resolver a questão teria sido a inclusão de um artigo garantindo “igualdade de direitos para todos”.
Hoje, há cerca de 130 mil drusos vivendo em Israel, a maioria no norte do país, próximos à região onde sua fé – uma dissidência do islamismo xiita – se estabeleceu originalmente. Ao contrário de outros povos de língua árabe da região, que costumam se identificar com os palestinos, os drusos têm sido leais aos judeus desde a formação do atual Estado de Israel, e muitos entendem haver uma “aliança de sangue” entre os dois povos.
Drusos em Israel
Formada no Egito no século 11 a partir de uma vertente esotérica do Islã, a seita drusa acabou se diferenciando bastante da crença muçulmana com o passar dos anos, acabando por se converter em um grupo secreto, temendo perseguições de grupos ortodoxos da região – o que ajudou a manter uma aura de mistério sobre grande parte de suas crenças. Monoteístas e influenciados por diversas correntes de pensamento do Levante e do Mediterrâneo, inclusive a filosofia grega, tradicionalmente se adaptaram às circunstâncias do local em que habitavam a fim de sobreviver.
Além de Israel, hoje há comunidades drusas numerosas na Síria e no Líbano, e sua diáspora também chegou a países como a Venezuela em décadas passadas.
“Antes de 1948 o tratamento da minoria drusa na Palestina por parte de seus vizinhos não-drusos não era totalmente amistosa. Isso resultou em uma indiferença dos drusos da região quanto a qual governo comandava o país”, escreve Sami Nasib Makarem em The Druze Faith (A Fé Drusa, sem edição brasileira), um dos mais importantes estudos sobre o grupo.
Sem ter sua autonomia e especificidades reconhecidas até a formação do Estado de Israel, os drusos não tardaram a se alinhar ao novo país, que passou a lhes oferecer direitos e segurança que até então não eram garantidos.
Pouco a pouco, os drusos foram se tornando a minoria árabe mais integrada em Israel, e muitos deles ocuparam cargos de destaque nas Forças Armadas e na política. Em um breve período no início de 2007, o parlamentar druso Majalli Wahabi chegou a ocupar interinamente a presidência de Israel durante a ausência do titular do cargo e seu substituto imediato – Wahabi tornou-se, assim, o primeiro não-judeu a servir como chefe de estado na história de Israel (em função do regime parlamentarista, a presidência é uma posição principalmente simbólica, já que o poder real está concentrado na figura do premiê, que atua como chefe de governo).
Uma das principais diferenças dos drusos em relação a outras minorias vivendo em Israel, como os muçulmanos e os cristãos, é que eles não estão imunes ao serviço militar obrigatório, tendo historicamente lutado lado a lado com os judeus para defender o país. Assim, embora pouco numerosos, acabaram se tornando a minoria mais influente e identificada com Israel. Estima-se que cerca de 60% dos homens drusos já tenham servido ao Exército Israelense, tanto nas guerras travadas desde a independência quanto no combate ao terrorismo de extremistas islâmicos. Muitos também atuaram como intérpretes militares, em função do domínio do idioma árabe.
Sem solução à vista
De fato, quem lidera os protestos desde a aprovação da lei são veteranos de guerra drusos. “Nós viemos aqui para dizer à nação israelense, com todo o povo israelense, que este país é para todos nós”, bradou o general reformado Amal Assad durante uma manifestação realizada no centro de Tel Aviv em 4 de agosto, a maior desde a aprovação da lei.
“Nós nascemos aqui, nós vamos morrer aqui, nós amamos este país, nós o defendemos, e vamos continuar a viver aqui juntos como irmãos iguais. Judeus, árabes, drusos, circassianos, beduínos – somos todos israelenses”, declarou.
Os protestos preocuparam o governo de Netanyahu, que passou a buscar uma solução para apaziguar os ânimos de um grupo que, até aqui, não apresentava riscos à instabilidade do país. Agora, vários militares drusos têm indicado, nas redes sociais, que pretendem deixar de defender Israel se a lei for mantida. Para eles, não havia necessidade de atualizar o texto da Declaração de Independência que, embora proclamasse a região como o lar dos judeus, também prometia o “desenvolvimento do país em prol de todos os seus habitantes”, além de garantir “completa igualdade de direitos sociais e políticos a todos os habitantes independentemente de religião, raça ou sexo”.
Fora de Israel, a nova lei também encontrou críticas. O Comitê Judeu Americano (AJC, na sigla em inglês), uma das mais antigas e importantes organizações do tipo nos EUA, declarou estar “desapontado” com o texto. A União Europeia manifestou preocupação com a forma como a nova legislação ignora pontos presentes na Declaração de Independência – sobretudo a exclusão da antiga definição de Israel como um estado que, além de “judeu”, também deveria ser “democrático”.
Enquanto o impasse prossegue, em Israel permanece a expectativa de um diálogo entre o governo e os líderes drusos para encontrar um meio-termo que contemple as minorias.
As conversas, no entanto, têm encontrado obstáculos. Segundo a imprensa israelense, um encontro de Benjamin Netanyahu com Amal Assad foi abruptamente interrompido na última semana após o general druso indicar que a nova lei poderia levar a uma espécie de apartheid, permitindo uma separação legal entre os cidadãos de acordo com a sua etnia e fé. Não há data para um novo encontro.
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