Haverá segundo turno nas eleições para presidente da Colômbia, entre o direitista Iván Duque (Centro Democrático), afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, e o esquerdista Gustavo Petro (Colômbia Humana).
Com 99% dos votos contabilizados, Duque liderava com 39,1%, contra 25,1% de Petro. Segundo o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), a tendência já era irreversível.
A votação do centro-esquerdista Sergio Fajardo foi a surpresa da eleição. Enquanto as pesquisas lhe davam ao redor de 16%, o ex-prefeito de Medellín e ex-governador de Antioquia ficou com 23,8%, apenas um pouco atrás de Petro, ainda que sua votação tenha sido insuficiente para ir ao segundo turno. Em Bogotá e em Medellín, triunfou Fajardo.
Duque e Petro se enfrentarão novamente em 17 de junho. A presença dos eleitores aos postos de votação foi muito maior do que no primeiro turno de 2014. Desta vez, 4 milhões a mais compareceram às urnas. Num país em que a abstenção costuma ser alta (o voto não é obrigatório), cerca de 60% dos eleitores saíram de casa para votar.
Segundo pesquisa do instituto YanHaas para a RCN TV, numa projeção para a próxima votação, Duque sairia favorito, com 56% das intenções de voto, contra 31% de Petro.
Duque, 41, votou em Bogotá por volta das 11h30 (13h30 de Brasília) e disse: "Me sinto muito honrado de chegar a essas eleições como representante de uma nova geração que quer governar para todos".
Seu principal rival, o esquerdista Gustavo Petro (Colômbia Humana), 58, também votou na capital e voltou a chamar a atenção para as possibilidades de fraudes. Desde o sábado (26) à tarde, Petro insistia que o sistema de computação dos votos "vinha sendo atacado, de dentro e de fora do país". O Conselho Nacional Eleitoral negou que houvesse ameaça ao resultado.
O voto de Petro foi muito consistente na região metropolitana de Bogotá e, principalmente, na região da costa.
Quem são os candidatos do segundo turno
Aos 41 anos, formado em direito, Duque foi um dos principais críticos ao acordo de paz com a então guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Recentemente, em campanha, porém, afirmou que não vai revogá-lo, mas sim reformar pontos relativos à Justiça Especial, que ele considera muito generosa. Seu principal objetivo é eliminar anistias a quem cometeu crimes de narcotráfico, algo que o acordo permite.
Com relação à economia, Duque é liberal e a favor da economia de mercado. Com relação a questões de direitos civis, é mais conservador, mas tampouco levantou a hipótese de voltar atrás em legislações já existentes sobre casamento homossexual e adoção por casais gays. É, porém, contra o aborto.
Gustavo Petro é o outsider desta disputa. Sem relações com partidos tradicionais, o candidato da coalizão Colômbia Humana é de esquerda e formou-se na guerrilha do M-19, que se desmobilizou nos anos 1990, transformando-se no partido Aliança Democrática.
Foi senador (2006-2010) e prefeito de Bogotá (2012-2015). Durante a campanha pelo plebiscito da paz com as Farc, Petro apoiou o presidente Juan Manuel Santos em sua campanha pelo "sim".
Crise na Venezuela dá vantagem à direita
Apesar de ter aproximado pela primeira vez a esquerda da presidência colombiana, o ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro Gustavo Petro ainda tem amarrada aos pés uma bola de concreto chamada chavismo. Ele já disse não reconhecer Nicolás Maduro como presidente. Chamou-o de ditador. Relativizou os vídeos em que elogia um jovem Hugo Chávez. Mas isso não parece ser suficiente para bater hoje o conservador Iván Duque, com quem disputará um segundo turno.
Há mais de 1 milhão de venezuelanos hoje na Colômbia, milhares deles perambulando pelas ruas como cabos eleitorais involuntários contra Petro, um economista e ex-guerrilheiro de 58 anos. Em Cúcuta, na fronteira com a Venezuela, nenhuma publicidade de Duque, candidato do ex-presidente Álvaro Uribe e favorito segundo todas as pesquisas, está tão visível quanto os miseráveis venezuelanos que lembram os efeitos do governo de Maduro.
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Segundo María Clara Robayo, analista da Universidade do Rosário, os colombianos a princípio até ficaram envaidecidos com o fluxo dos vizinhos, já que o país nunca havia sido um polo de atração para estrangeiros, principalmente pela violência associada à guerrilha. Isso mudou radicalmente após 2015, quando a fronteira entre os dois países reabriu depois de um ano fechada.
"Já se percebem atos xenófobos e uma espécie de pânico social em relação aos venezuelanos", afirma María Clara. Ainda há 4 milhões de colombianos que ao longo de décadas partiram para a Venezuela e mandavam remessas para casa. O retorno massivo deles, nas palavras de Petro, levaria a Colômbia ao colapso.
A manicure venezuelana Ana Karina Moreno, de 25 anos, deixou Maracay, na costa venezuelana, ao descobrir que estava grávida. Com medo de dar à luz na precária infraestrutura de seu país, onde a mortalidade materna aumentou 65% em 2016 em relação ao ano anterior, chegou a Cúcuta. Ela passa seis horas por dia mendigando diante de um shopping com o filho de 2 anos no colo. "Vim só por causa da gravidez. Meu primeiro filho já veio prematuro e não poderia me arriscar", disse a mulher, que já rejeitou ofertas de colombianos que desejavam criar seu filho. "Ele guerreou comigo até aqui, como vou entregar o menino?"
Em um país tradicionalmente governado pela direita e aliado dos EUA, a maior parte da população acredita que um governo populista de esquerda poderia causar desintegração social semelhante na Colômbia. A analista política Laura Gil discorda. "O chavismo se sustentou em reservas petrolíferas altas e apoio militar que Petro não teria. Ele é um populista, mas não é contra as instituições. Na prefeitura de Bogotá, não interveio na polícia, no Tesouro. Não é preciso temê-lo por isso. É preciso julgá-lo por outros elementos", avalia.
Embora tenha moderado o discurso, Petro manteve na prefeitura de Bogotá, de 2012 a 2015, uma linha de esquerda convencional. Promoveu estatizações, estimulou o discurso contra o capital, investiu em planos sociais e comprou brigas com prestadoras de serviço. Seu discurso agradou parte dos jovens, que responderam com apoio nas redes sociais, o maior entre os seis candidatos à presidência.
O conservador Duque também aproximou seu discurso dos jovens e marcou diferenças de forma com Uribe, padrinho de sua candidatura. Em 2014, o escolhido pelo uribismo foi derrotado pelo presidente Juan Manuel Santos no segundo turno. Petro hoje seria incapaz de vencer o segundo turno, pela dificuldade de atrair votos do centro.
O candidato com mais chance de bater Duque no segundo teria sido o centrista Sergio Fajardo, ex-prefeito de Medellín. Sua aliança com Petro agora poderia ser decisiva para Petro, mas Fajardo, que conquistou 23,7% dos votos neste domingo (27), não vai apoiar o ex-guerrilheiro, segundo informou uma fonte ligada ao político ouvida pelo jornal O Estado de São Paulo.
"Petro tentou se desligar de Chávez, mas para a opinião pública isso não ficou claro. Ele moderou seu discurso para aumentar sua viabilidade política. Mas, se ganhar, governará com um modelo populista e terá um problema extra. Seria o primeiro presidente colombiano sem maioria no Congresso, teria 25% das cadeiras", lembra o analista Juan Fernando Londoño, ex-vice-ministro do Interior.
Outro fator em jogo
Ao votar neste domingo, o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), que apoia a candidatura de Duque, voltou a defender-se das acusações recém surgidas em reportagem publicada pelo New York Times, que o acusa de haver mantido relações com o narcotráfico nos anos 1990.
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Segundo a documentação apresentada pelo jornal norte-americano, correspondência diplomática recentemente desclassificada pelo Departamento de Estado dos EUA revela que, entre 1988 e 1995, Uribe teria tido contatos com Pablo Escobar (1949-1993) e com outros líderes do cartel de Medellín, e que a organização criminosa teria financiado suas campanhas ao Senado.
Após ter sido prefeito de Medellín, sua cidade natal, nos anos 1980, Uribe ocupou o cargo de senador por dois mandatos (1986-1990 e 1990-1994).
O dinheiro recebido pelo cartel, segundo a publicação, teria servido a sua segunda campanha ao Senado. Uribe respondeu que "nunca recebeu dinheiro ilícito em suas campanhas" e pediu que os documentos fossem entregues a seus advogados.
Se a acusação se confirmar, será mais uma que Uribe acumula. Na Justiça colombiana, estão parados processos contra ele referentes ao apoio oficial, quando era presidente, às milícias paramilitares que combateram as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e com relação aos "falsos positivos" -civis assassinados por paramilitares e apresentados como membros de guerrilhas para cumprir metas preestabelecidas pelo comando dessas milícias, que respondiam a Uribe.
Por ora, porém, Uribe não pode ser julgado por nenhum desses casos, por ter foro privilegiado de senador.