A primeira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israel deixou evidente o descompasso no governo de Jerusalém. Para os israelenses, a chegada de Lula rachou o governo: enquanto o premier Benjamin Netanyahu se esforçava para recrutar o apoio do Brasil às novas sanções contra o Irã, na contramão de todos os esforços diplomáticos, seu chanceler, Avigdor Lieberman, decidiu boicotar a visita do presidente, alegando os laços brasileiros com Teerã e a recusa de Lula em colocar flores no túmulo do líder sionista Theodor Herzl, parte da cerimônia protocolar. Lula foi homenageado numa sessão extraordinária na Knesset (o Parlamento israelense) e, junto com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reuniu-se com Netanyahu, que não hesitou em aumentar a pressão pelo apoio de Brasília contra o Irã.
Com o racha dos anfitriões, para os brasileiros, a surpresa ficou por causa do desvio completo do principal foco da visita. Com um discurso pronto, em que defendia a criação do Estado palestino e colocava o Brasil à disposição para mediar o acordo de paz no Oriente Médio, Lula foi atropelado pelas pressões israelenses tanto de Netanyahu, como de parlamentares governistas e da oposição pedindo a mudança urgente da postura brasileira em relação à política nuclear do Irã.
"É importante isolar o Irã, não somente criticar", disse Tzipi Livni, líder da oposição e ex-chanceler. "Muitos países começaram a entender (que) o regime não se impressiona com sanções fracas. Peço que (o Brasil) una-se a esses países que já reconheceram esse perigo", afirmou o presidente da Knesset, Reuven Rivlin, olhando para Lula, que sorria e mantinha postura relaxada. "Vocês são a favor da liberdade. Eles (os iranianos) têm valores diferentes e usam a crueldade. Eles adoram a morte e o terror, vocês adoram a vida", completou Netanyahu.
O incidente diplomático pela recusa em visitar o túmulo de Herzl ganhou as manchetes dos jornais locais, rádios e tevês. No site do Maariv, a notícia foi a mais lida do dia. Mais de 140 leitores comentaram a informação, a maioria condenando a postura brasileira. Na edição matutina do Yediot Ahronot, o jornal destacou o imbróglio, sob o título "Herzl não, Arafat sim", uma referência ao fato de que Lula confirmou que pretende depositar flores no túmulo do líder palestino Yasser Arafat na visita, amanhã, a cidade de Ramallah, na Cisjordânia. O Itamaraty informou que a visita ao túmúlo de Herzl não estava prevista na agenda de Lula.
Irã e Bolívia
O presidente brasileiro evitou tocar no nome do Irã durante os três discursos que fez ontem em Israel, mas deu uma pincelada no tema nuclear, ao pedir, na Knesset, que "outras partes do mundo sigam o exemplo" do Brasil, onde há "proibição constitucional de produção e utilização de armamento nuclear". Israel é suspeito de ter armas nucleares não declaradas. Lula também procurou destacar sua autoridade para falar em paz. Ele disse que, em sua trajetória pessoal, "viveu situações de alta conflitividade" como sindicalista e líder político. Ao mencionar a nacionalização de uma refinaria da Petrobras pela Bolívia, em 2006, e a resolução pelo diálogo, o presidente sugeriu nas entrelinhas uma comparação entre o caso e o conflito milenar entre povos no Oriente Médio. Mesmo a esquerda israelense se mostrou decepcionada com o discurso de Lula. "Ele foi diplomático demais, moderado demais. E não explicou as razões que o levam a apoiar o Irã", disse o líder do partido de esquerda Meretz, Haim Oron.
O giro presidencial pelo Oriente Médio continua hoje, com visitas programadas ao Museu do Holocausto, à Universidade Hebraica e ao túmulo de Ytzhak Rabin. À tarde, Lula irá a Belém, cidade controlada pelos palestinos.
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* A jornalista viajou a convite do governo israelense