ENERGIA
Acidente põe segurança do modelo nuclear em xeque
SÃO PAULO - O Japão tem 55 reatores nucleares que funcionam em 17 usinas distribuídas pelo país. Juntas, elas geram 36% de toda a energia consumida pelos japoneses. Mas, de acordo com um dos principais especialistas do Brasil em energia nuclear, a explosão da usina de Fukushima 1 deixou a segurança nuclear do Japão e do do mundo na berlinda. "A usina Fukushima 1 deveria suportar terremotos e tsunamis", diz o engenheiro Aquilino Senra Martinez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Ela ficou em pé com um terremoto muito intenso, de escala Richter 8,9, mas não suportou o tsunami na sequência", completa.
A central de usinas nucleares composta por Fukushima 1 e 2 fica a cerca de 250 km da capital Tóquio, em uma das regiões mais afetadas pelos tremores de sexta-feira. Ao todo, 11 usinas japonesas estão nas regiões atingidas pelos sismos. De acordo com Martinez, é provável que tenha havido uma falha no sistema de esfriamento do reator de Fukushima 1 por causa da água do tsunami. Com o terremoto, o trabalho da usina foi interrompido automaticamente. Mas o reator, assim como o motor de um carro que estava em movimento, precisa ser esfriado o que deveria ser feito por um sistema de energia alternativa que falhou ao ser atingido pelo tsunami. A usina se transformou numa espécie de bomba-relógio. "Por isso, houve o superaquecimento do reator e a posterior explosão", explica Martinez.
Antes do acidente, vapores com material radioativo de alto risco incluindo césio já estavam sendo liberado para o meio ambiente como uma tentativa de reduzir a pressão excessiva no reator da central nuclear.
Riscos
O Japão ainda não divulgou informações sobre a quantidade de material radioativo que escapou com a explosão de Fukushima 1. De acordo com o especialista da UFRJ, a avaliação poderá ser feita a partir do momento que o acidente for definitivamente interrompido. "Nos próximos dias, deverá ser feito um mapeamento do local da usina, com análise de solo e de água, para que se verifique o tamanho do estrago", diz Martinez. Isso deve levar de dez a 15 dias, aproximadamente.
Desde o acidente de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, existe um sistema de acompanhando em tempo real das situações de risco nuclear. "Em Chernobyl, houve uma lentidão até que as autoridades divulgassem o vazamento", diz Martinez. Com isso, morreram de imediato 50 pessoas e houve um aumento de 4 mil casos de câncer nas redondezas.
Sob suspeita
Fukushima 1 fica num complexo nuclear que é bastante ativo no Japão. Ao todo, três reatores estavam em funcionamento na região quando aconteceu o terremoto de sexta-feira. Apesar de ter aguentado a intensidade do tremor, a estrutura da usina pode estar ultrapassada. De acordo com Martinez, o projeto da Fukushima 1 é antigo, da década de 1960.
"O acidente que aconteceu no Japão vai fazer todo mundo repensar o uso de usinas nucleares", analisa o especialista da UFRJ. Hoje, os EUA são o país com maior número de usinas nucleares: são 104 no total. Isso representa 18% da matriz energética daquele país. A França está no topo do países com maior dependência desse tipo de energia: 80% da matriz é nuclear. No Brasil, o uso de energia nuclear não chega a 3% do total consumido.
Folhapress
O vazamento de material radioativo ocorrido no Japão em decorrência do terremoto da última sexta-feira não foi como o de Chernobyl. A primeira ideia que vem à mente quando o assunto é acidente nuclear é justamente a tragédia de 1986, na Ucrânia, considerada a pior da história, mas as condições das usinas hoje são diferentes.
"A usina de Chernobyl tinha o teto muito frágil, o que contribuiu para o vazamento. As usinas modernas, como as europeias e japonesas, são construídas de forma mais segura, com uma redoma para conter vazamentos", explica o físico-médico da Clínica de Radioterapia do Hospital Angelina Caron, Lourenço Cabrioglio. "Só que um acidente com as proporções desse terremoto não estava previsto", complementa.
Caso o material radiativo não se dissipe para alto mar, como é esperado, é possível que prejudique a população local. Confira a seguir como pode ocorrer a contaminação por radiação e de que forma ela afeta o corpo humano.
Qual a gravidade da situação no Japão?
O acidente em Chernobyl foi classificado como de nível 7 de gravidade, o mais alto, enquanto o de Fukushima até agora é considerado nível 4. Malcolm Crick, secretário do Comitê Científico de Efeitos de Radiação Atômica da ONU, declarou à agência Reuters que os riscos da situação à saúde pública ainda são baixos. Ele relembra o vazamento de material radiativo que ocorreu em Three Mile Island, nos Estados Unidos, considerado nível 5 de gravidade. "Os níveis de radiação eram detectáveis, mas, em termos de saúde humana, não foi nada," disse Crick.
De que forma uma pessoa pode se contaminar com a radiação?
Quando material radioativo vaza para atmosfera, como ocorreu na usina de Fukushima, ele pode se depositar no ambiente ao redor do vazamento, inclusive no solo, em plantações e pastos. O césio fica na atmosfera por anos dependendo do tipo, por até 300 anos, como ocorre com o césio 137. As pessoas podem se contaminar inalando o ar da nuvem de radiação, ingerindo alimentos contaminados e encostando em objetos atingidos pela nuvem radioativa.
Quais são as consequências para a saúde de uma pessoa contaminada?
Ieda Horst, físico-médica especializada em radiologia do Hospital Angelina Caron, explica que se a exposição for alta, pode causar, a curto prazo, distúrbios gastrointestinais, náusea, diarreia, febre, entre outros sintomas. A médio e longo prazo, a exposição pode causar cânceres em diversos órgãos. Se a radiação for inalada, pode resultar em câncer de pulmão; se for ingerida, pode causar câncer de estômago, esôfago e boca; se a pele for contaminada, a radiação pode causar leucemia e câncer de pele. Em casos de exposição extrema, o paciente pode morrer de hemorragias causadas por intoxicação.
Como a radiação atua no corpo humano?
A radiação atua em nível molecular e funcional, segundo Lourenço Cabrioglio. Ou seja, ela causa uma mutação nas células humanas e, dessa forma, os órgãos perdem capacidade e aos poucos param de cumprir suas funções. Os rins começam a falhar e ter problemas, como câncer, por exemplo, seguidos pelo fígado, pulmões e assim por diante.
Existe tratamento para radiação?
Depende do grau de exposição do paciente. Se tiver sido muito intensa, em especial se a radiação tiver sido ingerida, não há tratamento. Mas existe uma substância, chamada Azul da Prússia, que é capaz de fazer com que a radiação seja eliminada por meio da urina e das fezes. "Caso haja suspeita de contaminação, o primeiro passo é a retirada das roupas e banho na base do esfregão mesmo, para que o paciente se livre de qualquer possível foco externo de radiação", explica Cabrioglio.
Como os efeitos dos vazamentos no Japão podem ser minimizados?
O melhor a fazer é evacuar as áreas contaminadas. Até agora, cerca de 140 mil pessoas foram retiradas dos arredores da usina japonesa, segundo dados da Reuters. "A área de isolamento só pode ser calculada por alguém que esteja próximo e saiba exatamente em quais condições ocorreu o acidente", explica a física-médica Ieda Horst. O melhor cenário é que a nuvem radiativa se dissipe para alto mar, onde, dependendo da quantidade de material radiativo, pode matar peixes e algas, mas dificilmente afetar diretamente a população. Se a quantidade de radiatividade aumentar muito com mais vazamentos, por exemplo e a região não contar com a ajuda do vento e das correntes marítimas, a nuvem pode vir a afetar outras regiões próximas. Mas o Órgão Meteorológico do Japão anunciou que os ventos na área mudariam de sul a oeste na noite de domingo, soprando de Fukushima em direção ao Oceano Pacífico. "A direção do vento é a ideal para as pessoas no Japão. Estará soprando na direção do Pacífico", disse à Reuters Lennart Carlsson, diretor Segurança de Usinas Nucleares da Suécia. "Eu não acho que vai haver nenhum problema para outros países."
O material radioativo que vazou é o mesmo usado na medicina?
Sim. Como explica Ieda, o césio já foi amplamente usado pela medicina, em especial no tratamento de cânceres como o do colo de útero. Hoje, por causa de tecnologias mais modernas, seu uso diminuiu. No Brasil, ele já está quase em desuso.
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