Criança acompanha celebração em Simferopol, na Crimeia, região que se separou da Ucrânia| Foto: Shamil Zhumatov/Reuters

Guarda-chuva

O Setor de Direita é um grupo guarda-chuva, que reúne várias organizações de direita. A organização surgiu praticamente do nada no final de novembro, quando Kiev foi abalada por protestos em massa diante da decisão do governo de se aproximar da Rússia e romper os laços com a União Europeia. A organização foi fundamental para estender os protestos por três meses.

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100 pessoas aproximadamente, morreram durante os protestos em Kiev, a esmagadora maioria deles manifestantes. Uma grande parcela dessas vítimas foi baleada por franco-atiradores. Outras centenas ficaram feridas pelos tiros em outros conflitos nas ruas.

Retórica

O Setor de Direita ainda representa uma dor de cabeça para a nova liderança da Ucrânia com a sua presença armada nas ruas, as atitudes de alguns de seus membros, a sua retórica e os símbolos de extrema-direita que alguns dizem ser de inspiração nazista – em meio à pressão de Kiev para o país abraçar valores ocidentais e integrar-se rapidamente à União Europeia.

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Soldados supostamente russos caminham em Simferopol

Os clientes do centro comercial de Kiev não tiveram muita sorte em uma tarde recente: uma butique de roupas e uma loja de telefonia celular foram ocupadas por homens mascarados, vestidos de preto e com coletes à prova de balas. Não muito longe, valentões do mesmo grupo patrulhavam um grande hotel em Kiev, assustando os visitantes com os seus tacos de beisebol, armas e gorros que tapavam a cabeça.

Semanas depois de protestos em massa levarem à deposição do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich, centenas de membros do grupo ultranacionalista radical Setor de Direita continuam patrulhando as ruas do centro da capital da Ucrânia e ocupando prédios em Kiev, enquanto alguns membros mais radicais invadiram escritórios do governo regional, exibindo rifles, assediando os funcionários e até mesmo ferindo um promotor.

O grupo não pretende apenas controlar as ruas: ele quer o poder real do governo. Para atingir esse objetivo, o Setor de Direita está tentando se transformar em um partido político. E seu líder, Dmytro Yarosh, planeja concorrer à Presidência na eleição de 25 de maio.

Demonizado pela propaganda estatal da Rússia como fascista e acusado de ataques contra russos étnicos e judeus, o Setor de Direita tem sido usado pelo governo de Vladimir Putin para justificar o envio de tropas para a região da Crimeia.

Mas muitos na própria Ucrânia subestimam a importância do grupo – e a ameaça que ele representa. O grupo não recebeu nenhuma mensagem do governo interino e observadores dizem que ele tem pouca influência real ou apoio nas pesquisas. "O Setor de Direita é marginal", disse o professor de estudos europeus da Kiev Mohyla Aca­demy, Andreas Umland.

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Mortes

Russos e ucranianos divergem sobre ação de franco-atiradores

Um dos maiores mistérios que assombram as manifestações que resultaram na queda do presidente Viktor Yanukovich é: quem estava por trás dos franco-atiradores que semearam a morte e o terror em Kiev?

Essa questão se tornou um dos principais pontos de discórdia na Ucrânia. O novo governo do país e o Kremlin dão interpretações totalmente diferentes sobre os eventos que podem retirar ou reforçar a legitimidade dos novos governantes.

As autoridades ucranianas estão investigando o massacre ocorrido entre os dias 18 e 20 de fevereiro e mudaram o foco do inquérito do ex-presidente Viktor Yanukovich para o líder russo Vladimir Putin.

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Entre as possíveis explicações para a presença dos franco-atiradores, há uma teoria que tem ganhado força de que o Kremlin tinha a intenção de aumentar o caos nas manifestações para criar um pretexto para uma incursão militar.

A Rússia, por outro lado, sugere que os agressores haviam sido cooptados por líderes da oposição na tentativa de aumentar a indignação local e internacional contra o governo.

Opinião

Demétrius Pereira, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e doutor em Política Europeia pela Universidade de São Paulo.

Para Kiev, perda da Crimeia é demográfica, econômica e geográfica

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Apesar de todas as justificativas apresentadas pelo governo russo para a anexação da região da Crimeia, a comunidade internacional não demonstra sinais de que aceitará tão fácil uma tomada de território flagrantemente ilegal. De fato, a Crimeia está passando para o controle russo aos poucos, o que não significa que haja qualquer reconhecimento externo sobre a legitimidade dessas ações.

A alegação russa de que a independência do Kosovo, que foi considerada legal pela Corte Internacional de Justiça, seria comparável à autodeterminação da Crimeia, parece no mínimo contraditória, uma vez que nem os próprios russos reconhecem esse direito aos kosovares.

A principal perda da Ucrânia parece ser geográfica, mas também econômica e demográfica.

Geograficamente, a Crimeia é uma península conectada à Ucrânia, mas não à Rússia, o que torna a situação ainda mais complexa. Apesar de representar uma parcela proporcionalmente maior de território para os ucranianos, estrategicamente ela é mais importante para os russos, que ali mantêm sua principal base naval em águas quentes.

Do ponto de vista econômico, os ucranianos perderão uma parte significativa de sua produção, sobretudo agrícola. Para os russos, por outro lado, o ganho será pequeno, se comparado ao PIB de todo o país. Ainda assim, a economia da Crimeia está bastante conectada à Rússia e não ao restante da Europa, como outras regiões ucranianas, o que, segundo analistas, facilitará a transição territorial.

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Demograficamente, a população da península é composta por uma maioria de etnia russa, que inclusive fala russo em seu dia a dia e estava ameaçada de abandonar seu idioma nativo. A perda populacional será relativamente grande para a Ucrânia, não fazendo tanta diferença para a Rússia, que possui um número muito maior de habitantes.

Além dessas três perdas iniciais, o principal perigo para a Ucrânia são os efeitos do abocanhamento territorial. Este pode ser o início da desintegração ucraniana, especialmente das regiões pró-Rússia, que discordam da aproximação com a União Europeia. Diversas partes do país, mais ainda no leste e no sul, podem pedir independência – e depois a anexação ao território russo –, seguindo o exemplo da Crimeia.

Essa parece ser a maior perda para a Ucrânia e para o próprio direito internacional, que terá de aceitar mais essa violação.