Muitas explicações foram dadas para os motivos de a Bélgica ter sido alvo dos atentados da última terça-feira (22). Da localização estratégica, entre a França e a Alemanha, ao fato de o país ser o centro administrativo e legislativo da União Europeia, passando pela segregação social dos jovens imigrantes, todos esses fatores foram lembrados para entender o ato terrorista. Um aspecto, porém, ganhou pouco destaque, apesar da importância na análise da radicalização das comunidades muçulmanas belgas: o financiamento e a disseminação de visões mais radicais do Islã.
A entrada de recursos da Arábia Saudita e de outros países ricos do Golfo Pérsico, a partir dos anos 1970, serviu para estabelecer colégios religiosos conservadores especialmente no entorno de Bruxelas. Em 1978, a Grande Mesquita de Bruxelas foi inaugurada; o edifício e o terreno onde ele foi erguido haviam sido um presente do rei da Bélgica à monarquia saudita. Logo ele se tornaria um forte centro da atividade islamista .
A comunidade marroquina costumava seguir uma vertente do Islã muito mais tolerante e aberta do que aquela apoiada pelo reino da Arábia Saudita.
Um relatório diplomático dos Estados Unidos vazado pelo WikiLeaks em 2007 detalhava como a embaixada da Arábia Saudita continuava a treinar ímãs que pregavam à crescente comunidade muçulmana europeia. Há uma década, o jornalista belga Hind Fraihi infiltrou-se no bairro de maioria muçulmana Molenbeek e escreveu uma famosa série de reportagens que mostrou que jovens muçulmanos desiludidos estavam sendo influenciados por pregadores radicais.
Analistas dizem que os dogmas salafistas – corrente conservadora do Islã – defendidos pelos clérigos apoiados pelos sauditas contrastavam com as crenças tradicionais dos imigrantes marroquinos e turcos que haviam se estabelecido na Bélgica a partir dos anos 1960. “A comunidade marroquina veio de áreas montanhosas, não desérticas. Eles seguem uma vertente do Islã muito mais tolerante e aberta do que aquela da Arábia Saudita”, diz o político belga George Dallemagne. “No entanto, muitos passaram a seguir os professores da Grande Mesquita. Vários marroquinos ganharam bolsas para estudar em Medina.”
O diretor da Rede Europeia Contra o Racismo, Michael Privot, explica que hoje, em Bruxelas, 95% dos cursos oferecidos sobre o Islã são lecionados por pregadores treinados na Arábia Saudita. “Há demanda nas comunidades muçulmanas por conhecimento acerca da religião, mas a maioria da oferta é de um tipo muito conservador e salafista. Outros países muçulmanos não conseguiram financiar tantos alunos nessa escala”, explica.