Quito De um lado, um economista que nasceu pobre, mas completou a universidade e conseguiu, com bolsas de estudo, fazer mestrado e doutorado nos Estados Unidos e na Europa. Um líder jovem de esquerda que, aos 44 anos, justamente por não ter experiência nem vínculos políticos, chegou ao poder com a promessa de livrar o Equador das "oligarquias políticas" culpadas por fazerem do país um dos mais instáveis da América Latina foram oito presidentes em dez anos e de reduzir as desigualdades sociais. E é bastante popular por isso.
Do outro, um nacionalista ferrenho que, em apenas três meses de governo, esmagou a oposição do Congresso, gera cautela entre investidores, gasta mais dinheiro do que deveria em projetos populistas e quer alterar a Constituição equatoriana para ganhar o controle do Estado e se perpetuar no poder. Afinal, quem é Rafael Correa, o presidente do Equador que hoje passa por seu maior teste político: a consulta popular que perguntará aos equatorianos se eles querem ou não a instauração de uma Assembléia Constituinte com plenos poderes para alterar as leis do país?
"Sem dúvida, ele é um enigma. Acho que tem os dois lados, é um jovem energético e ideológico demais, que adotou uma postura que mistura carisma, mudança, mas também muita confrontação", afirma o cientista político e economista Walter Spurrier, um dos mais respeitados do Equador. Num artigo publicado no jornal El Universo, Spurrier estabelece dois cenários sobre o que será o governo de Correa daqui para frente. Um light (leve) e um full (cheio, pesado) com a provável vitória do "sim" à Constituinte, com 66% de aprovação, segundo indicam as últimas pesquisas, divulgadas na sexta-feira à noite.
De acordo com Spurrier, a população equatoriana está dando a Correa o benefício da dúvida, e ele deveria aproveitar isso. "Caso contrário, o ambiente pode ser de muita confrontação política e social. O temor de que a Constituinte não leve a nada é muito grande", acredita Spurrier.
Todos os analistas ouvidos acham que a recente confrontação entre Correa e o Congresso foi um péssimo exemplo para um início de governo, assim como foi a forma, classificada de inconstitucional, com a qual Correa convocou o referendo, sem submeter o texto ao Congresso e elaborando o estatuto da votação por meio de sucessivos decretos. "Ele não precisava disso, já que tinha grande apoio popular. Isso, aliado a outros erros, vem deixado os equatorianos nervosos", avalia Ivan Baquerizo, do Instituto Equatoriano de Economia Política. Segundo o analista, todos querem mudanças. Apesar de ser contrário ao "socialismo do século 21", que Correa espera implementar com a Assembléia Constituinte, nos moldes de seu aliado, o venezuelano Hugo Chávez ele acredita que o presidente tem legitimidade ao querer implantá-lo porque foi eleito pela maioria do povo.
"Agora, a ideologia deve ir até onde o povo não é sacrificado. Temos que lembrar que Estados inchados demais, que gastam demais, que não atraem investimentos, cujos serviços públicos são ineficientes, não sobrevivem mais, isso é uma coisa ultrapassada. Acontece na Venezuela, mas o Equador não tem o dinheiro da Venezuela" concorda Simón Cueva, da Cooperação de Estudos para o Desenvolvimento (Cordes), uma organização que avalia o desempenho da economia do país.
Setor estatal
O ramo das empresas estatais equatorianas a instabilidade política impediu que o país seguisse a tendência latino-americana e quase nada é privatizado não é o que mais preocupa Walter Spurrier. Afinal, ele considera Correa um presidente honesto, que realmente prometeu melhorar os serviços oferecidos pelas empresas de telefonia, água, gás, que são realmente ruins. Spurrier, assim como muitos outros, tem medo de que a Constituinte, caso aprovada, sirva como motor para, além de mais enfrentamentos entre va-riadas classes políticas e sociais que irão compô-la, Correa acabar, de forma velada, com a democracia no país.
"Correa precisa lembrar que o povo equatoriano é muito volátil. Se o caos se instalar, ele não terá mais tanto apoio. Por enquanto, estamos lhe dando o benefício da dúvida. Acho que ele, apesar de já ter feito muita besteira, é um estadista que sabe diferenciar as coisas. Caso ganhe a Constituinte, o que é bem provável, ele tem que conduzir o plano de mudança, sim, mas sem um pedaço de pau na mão", diz Thalia Flores, articulista do jornal Hoy. Mesmo os equatorianos que acreditam em Correa parecem preferir seu lado mais light.