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Uma das principais marcas da política externa do governo do ex-presidente americano Barack Obama foi a aproximação dos Estados Unidos à ditadura castrista de Cuba. Em 2016, a viagem de Obama à Havana foi celebrada como um movimento que “finalmente pôs fim à Guerra Fria”. Contudo, ao entrar para história sendo o primeiro presidente dos EUA a visitar Cuba desde 1928, Obama acabou deixando em segundo plano crises mais urgentes que estavam ocorrendo na América Latina: a derrocada da democracia na Venezuela e na Nicarágua, que já estavam fragilizadas.
Durante os últimos quatro anos, a administração do republicano Donald Trump reverteu completamente a política em relação a Cuba, aumentando as sanções contra o país. Agora que os democratas vão voltar ao poder, o presidente eleito Joe Biden pode tentar reconstruir o legado de uma gestão da qual participou como vice-presidente.
“Precisamos de uma nova política para Cuba. A abordagem da administração [Trump] não está funcionando. Cuba não está mais perto da democracia do que há 4 anos”, disse o então candidato Biden em um evento de campanha em Miami em 5 de outubro.
O novo governo promete reverter algumas das sanções que Trump impôs à ditadura castrista durante o seu mandato, apostando na redução das restrições a viagens, remessas e investimentos na ilha, segundo fontes a par do assunto.
“Acho que Biden tentará mudar a narrativa, para que a política dos EUA volte a ser sobre voos e transferências de dinheiro para os cubanos de Miami a suas famílias, para capacitar artistas, empresários e músicos cubanos”, disse ao Washington Post Collin Laverty, que opera visitas educacionais para americanos a Cuba. "Há esperança de que volte a isso rapidamente”.
No entanto, é improvável que Biden faça desta reaproximação uma das prioridades de sua política externa para a região, como fez Obama. Primeiro porque isso poderia ter um custo político alto internamente, pois poderia afastar ainda mais os votos dos latinos da Flórida, onde está a maior comunidade de cubanos-americanos nos EUA. O Partido Democrata perdeu as duas últimas eleições presidenciais no estado, em 2016 e 2020, e arriscaria ter o mesmo destino em 2024.
Segundo, porque há problemas mais urgentes na região. A ditadura castrista, além de constantemente violar os direitos humanos de sua população, é responsável, em parte, pela crise humanitária da Venezuela, já que ajudou Nicolás Maduro a consolidar-se no poder, exportando o seu sistema opressor ao regime chavista.
Andrés Martínez-Fernández, pesquisador do American Enterprise Institute, lembrou, em um artigo recente, que “enquanto Washington negociava acordos com a ditadura cubana para combater o narcotráfico”, entre 2014 e 2016, “Havana fortaleceu seu apoio à narcoditadura venezuelana, apoiando instituições que esmagam violentamente o povo venezuelano e geraram uma crise de refugiados sem precedentes no ano passado”. Biden não deveria incorrer no mesmo erro.
Especula-se que a equipe do democrata busque aliviar as tensões com Havana para ter mais meios de trabalhar para uma resolução pacífica da crise política e econômica na Venezuela. Se isso ocorrer, também será uma virada de 180 graus na política dos EUA para o país sul-americano, que até agora teve pouco ou nenhum resultado efetivo para a redemocratização da Venezuela. Mas com essa nova aposta, corre-se o risco de enfraquecer ainda mais a oposição ao regime chavista e consolidar Maduro no poder, assim como ocorreu após várias tentativas de negociação com o ditador.
“O governo Biden deve agora enfrentar as ramificações desses e de outros desafios urgentes, incluindo a pandemia COVID-19 e a pior crise econômica em décadas”, em vez de priorizar uma reaproximação com Cuba, escreveu Fernández. “Acrescente a isso desafios geopolíticos mais amplos, como o aumento da influência chinesa, e não faltarão questões urgentes na América Latina que exijam um envolvimento ativo dos EUA”.