A cena se repete desde o mês passado a cada terça-feira: dezenas de cubanos, ansiosos, aguardam por familiares e amigos no terminal 2 do Aeroporto Internacional de Havana. A procedência, no entanto, não é a esperada Miami, de onde saem voos diários à capital cubana, mas Nova York, cidade que passou a ter viagens diretas apenas no dia 17 de março passado — alavancadas pela retomada das relações entre os EUA e Cuba. Dentre os passageiros, muitos cubanos que moram principalmente em Nova Jersey e alguns gatos pingados americanos.
Fretado pela Cuba Travel Services e operado pela Sun Country Airlines, o SY8890 decola do aeroporto que leva o nome de John Fitzgerald Kennedy — justamente o presidente americano que impôs o embargo à ilha — e chega a Havana por volta das 18h30m (horário local). Bem antes disso, a saída do terminal começa a encher. Na última terça-feira, os irmãos Lauren e Robin González conversavam apreensivos enquanto aguardavam a chegada da avó, Maria. Ela, que mora há mais de sete anos na cidade americana, não via os netos há mais de três. Assim como María, muitos cubanos com mais de 50 anos atravessaram o oceano ilegalmente para ajudar os filhos, que foram tentar a vida no país vizinho anos antes, durante o chamado “período especial” — os anos após o fim da URSS, quando Cuba deixou de ganhar ajuda econômica de Moscou e passou a enfrentar grandes dificuldades.
“Ela foi cuidar da família e acabou ficando. Aqui, em Havana, restamos apenas eu e meu irmão, que está doido para ir também”, conta Lauren, estudante de 18 anos. “Eu não. Até tenho vontade de visitar os Estados Unidos, mas não moraria lá. Me imagino mais vivendo na Europa.”
Se o voo inaugural saiu lotado e com lista de espera, na última terça-feira ainda havia 40 lugares vagos no avião (a passagem de ida e volta custa, em média, US$ 849).
“Tinha vindo a Havana visitar minha família pela última vez há dez anos. Como moro em Nova Jersey, precisava ir para Miami e de lá comprar um voo para cá. Mas, apesar de ser direto, ainda sai caro para nós”, explica a cubana María Isabel William, de 60 anos, que destacou que o voo não estava tão cheio quanto imaginava. “Fui embora nos anos 1980 e agora venho visitar minha mãe, que ainda está aqui. Além dela, apenas meu irmão e minha cunhada continuam em Havana.”
Simples turismo ainda é proibido
Em meio a parentes, um ou outro americano — na maioria viajantes solitários — vai atravessando a pequena multidão de cubanos. Parecem um pouco perdidos e procuram os táxis fretados contratados por agências. Até março deste ano, os números de visitantes totais atingiram inéditos um milhão nos primeiros três meses, um recorde para a pequena ilha. E dentre os novos chegados, uma nacionalidade pela primeira vez aparece na lista de maior crescimento: os americanos, que chegaram em número 29,5% maior à ilha. As cifras, oficiais, registram ainda crescimento de 12,6% de canadenses, 23,3% de alemães e 10,8% de italianos. Os britânicos foram os que mais aumentaram as visitas: 30,6 % a mais.
Naquela terça-feira, um grupo de cinco executivos dos EUA foi prontamente recebido por funcionários de uma agência particular. Apesar de simpáticos, negaram-se a dizer seus nomes — e o motivo da visita ao país. Seriam dois dias de negócios. Além deles, cerca de dez outros passageiros americanos viajaram no avião.
“Falo um pouquinho de espanhol, que tal meu sotaque?”, desconversou o mais jovem.
Antes da reaproximação entre os dois países, americanos eram proibidos oficialmente de vistar a ilha. Chegar em Havana, no entanto, nunca foi um grande problema: bastava viajar através de um terceiro país, normalmente México ou Canadá. Como o visto cubano não é mais que um papel obtido pela companhia aérea, não tinham qualquer carimbo oficial no passaporte. Isso mudou no ano passado quando o governo Obama afrouxou as restrições de viagem para Cuba. Os americanos já podem viajar para o país por uma série de motivos, entre eles visitas familiares, conferências acadêmicas, apresentações públicas e atividades religiosas e educativas. Como simples turistas ainda não. Por isso, muitos preferem não dizer o motivo da viagem.
Nos Estados Unidos, a paisagem do terminal 4 do aeroporto John Fitzgerald Kennedy também está diferente: os passageiros das companhias aéreas do Oriente Médio que dominam o check-in vêm se misturando a numerosas famílias cubanas e seus carrinhos cheios de eletrônicos. Acompanhada pelo filho, Jorge Mendes, que imigrou para os EUA em 1999 e trabalha como motorista de caminhão, Milagros Ramírez embarcava de volta para casa pela primeira vez desde que chegou para juntar-se a ele em Nova Jersey, há quase dois anos.
“Serão só 21 dias, mas estou muito feliz. Vou ficar nos Estados Unidos, mas quero sempre tomar o cuidado de retornar a Cuba a cada dois anos para não perder a minha cidadania”, disse ela, levando quantos presentes couberam na mala para as crianças da família.
Não faltavam grupos de amigos despachando parentes. Com Milagros e Mendes estava Lídia Meles, também escoltada pelo filho. Desde 2008 em Nova York, ela costuma passar férias em Havana todo ano.
“Depois dessas conversações é a primeira vez. Antes tinha que ir por Miami. Agora está muito mais cômodo, pretendo ir mais. A normalização (das relações) é uma coisa muito boa, se há uma mudança ela é boa, né?”