Campanha ignora a Buenos Aires miserável

Buenos Aires – A poucas quadras da elegante e quase parisiense Calle Florida, uma Buenos Aires sem nenhum glamour e quase haitiana se ergue e não pára de crescer. Na Villa 31, ao lado do bairro do Retiro, onde se abrigam cerca de 100 mil do total estimado de 1 milhão de favelados da capital argentina, a campanha para as eleições de hoje não chegou. Para os moradores das choupanas enfileiradas pelas ruas lamacentas e de esgoto a céu aberto, ela não fez nenhuma falta.

"Nem lembro quando foi a última vez em que algum candidato esteve aqui", diz Máximo Ledesma, líder da associação de bairro da Villa 31. "Só sei que não apareceu ninguém por aqui Nem Cristina (Kirchner) nem (Elisa) Carrió nem (Ricardo) Lavagna, ninguém."

Ao contrário do que tem ocorrido nos últimos dias na Buenos Aires que conta política e economicamente, na Villa 31 não há cartazes de candidatos nem cabos eleitorais distribuindo panfletos. Há uma boa razão para isso: pelo menos metade da população da favela é de estrangeiros – bolivianos, paraguaios, peruanos – e argentinos vindos de outras províncias, muitos sem registro eleitoral na capital. "Ninguém se importa com a gente daqui", lamenta Ledesma. "Há anos estamos no limbo social e ninguém nos dá nenhum tipo de assistência."

A favela instalou-se no local há mais de 60 anos. Seus primeiros moradores eram imigrantes, principalmente bolivianos e paraguaios. A Villa 31 é um retrato das inúmeras favelas que se espalharam pela cidade após a crise de 2001.

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Buenos Aires – No tradicional café Nucha, em frente da Praça Vicente López, na Recoleta, um grupo de sete mulheres de meia-idade e muito bem vestidas explica porque não votará em Cristina Kirchner. As razões divergem: "É mentirosa", "é populista", "é feia", "é peronista" e "é corrupta". A maior parte delas votará hoje em "Lilita Carrió" – não porque simpatizam com a segunda colocada nas pesquisas, mas porque é a candidata que possui maiores chances de evitar a vitória de Cristina no primeiro turno. Numa outra mesa, um senhor diz: "Qualquer governo que não seja o oficialismo seria melhor que o de Cristina, mas infelizmente ela vai ganhar porque o povo é ignorante". Bairro da aristocracia portenha, a Recoleta é um reduto anti-Kirchner.

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O advogado Luis Molina, 66 anos, também morador do bairro, engrossa o grupo dos que votarão em Elisa Carrió para tentar escapar de um governo de Cristina. "A Lilita é a única que pode competir com os Kirchner." E qual o problema com os Kirchner? "Eles são muito próximos da política venezuelana, isso não é bom", responde Molina.

"Oligarcas"

Para o taxista Juan Hernández, que trabalha num ponto do bairro, os moradores da Recoleta são "oligarcas antiperonistas detentores do petróleo nacional – a soja – e que têm medo do governo da Cristina, porque ela vai favorecer os mais pobres." A empresária Suzana Díaz é possivelmente uma dessas oligarcas a que se refere Hernández. Ela passeava com o cachorro na manhã da última sexta-feira nas ruas do bairro. "O povo só está com a Cristina porque ela está distribuindo dinheiro pra eles". Segundo ela, as pessoas no interior das províncias (estados) estão ganhando dinheiro para ir votar e carros estão sendo contratados pelo governo para levarem os eleitores aos pontos de votação. "Claro que nada disso é de graça, querem o voto neles", diz a empresária.

É no cemitério da Recoleta que está enterrado o corpo de Evita Perón – musa inspiradora, embora às vezes ela negue, de Cristina Kirchner. Se dependesse dos moradores em torno do cemitério, o futuro político de Cristina seria velado hoje mesmo.