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O Haiti vice um acirramento da crise humanitária e de segurança desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, que inflamou as disputas entre gangues que dominam praticamente todo o país caribenho. Essa crise anda de mãos dadas com outra: a institucional.
O dia 7 de fevereiro é tradicionalmente a data da posse presidencial no Haiti, mas na última quarta-feira, isso não ocorreu. Esse dia marcaria o fim do mandato do primeiro-ministro Ariel Henry, que governa o país desde a morte de Moïse.
Em dezembro de 2022, Henry havia assinado um acordo com representantes de partidos políticos e de organizações da sociedade civil, chancelado pela comunidade internacional, no qual se comprometeu a convocar eleições em 2023 para que um novo presidente tomasse posse em 7 de fevereiro de 2024.
Nada disso ocorreu, já que Henry vem reiterando que é impossível convocar eleições no Haiti sem que a crise de segurança seja contida. “Assim que o problema de segurança começar a ser resolvido, lançaremos a todo custo o processo eleitoral para entregar o poder aos dirigentes que o povo haitiano deve escolher em boas eleições”, afirmou em discurso na quinta-feira (8).
Na véspera, data em que o premiê deveria entregar o cargo, ao menos seis pessoas morreram e mais de dez ficaram feridas em protestos contra seu governo.
As eleições legislativas também estão pendentes no Haiti, já que os mandatos dos senadores chegaram ao fim em janeiro de 2023.
A crise fez a vizinha República Dominicana emitir um alerta e reforçar a segurança na fronteira entre os dois países.
Os Estados Unidos também manifestaram preocupação: em comunicado, o senador democrata Edward J. Markey denunciou que Henry “falhou mais uma vez em manter o seu compromisso com uma transição de poder inclusiva e pacífica”.
“O povo do Haiti merece ter o poder da democracia nas suas mãos. O primeiro-ministro Henry deve tomar medidas imediatas para que o Haiti tenha uma transição pacífica e democrática. O nosso governo e os nossos parceiros internacionais precisam fornecer o apoio necessário ao povo do Haiti para alcançar eleições, governança e instituições democráticas duradouras”, apontou.
Além do seu apego ao poder, Henry é criticado pela população haitiana por duas razões. Em primeiro lugar, não conseguiu resolver a crise de segurança.
Uma missão multinacional para lidar com a questão, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU e que será liderada pelo Quênia (único país que se comprometeu por ora a enviar militares ao Haiti), está em xeque porque foi vetada por um tribunal do país africano.
O segundo ponto é que Henry é suspeito da morte de Moïse, que o escolheu para ser primeiro-ministro um dia antes de ser morto. Em setembro de 2021, ele demitiu o promotor que havia pedido seu indiciamento por suposta participação na morte do presidente.
Volta de líder paramilitar ao Haiti aumenta tensão
Além dos protestos, Henry ganhou recentemente outra fonte de desgaste político: o líder paramilitar Guy Philippe, um dos responsáveis pela destituição do então presidente Bertrand Aristide em 2004, retornou ao país após cumprir pena nos Estados Unidos por acusações relacionadas ao tráfico de drogas.
Segundo a BBC, Philippe tem pregado uma “rebelião” contra Henry e num programa de rádio na semana passada prometeu: “A luta é apenas o começo”, em referência aos protestos contra a permanência de Henry além do prazo combinado.
Em entrevista nesta quarta-feira (14) à France 24, o ex-primeiro ministro Claude Joseph disse que o argumento de Henry de que o caos na segurança impede a realização de eleições é simplesmente um pretexto para permanecer no poder e que o atual premiê “está incitando uma guerra civil no Haiti”.
O país mais pobre das Américas, onde 50% da população sofre com a insegurança alimentar e vive na pobreza, enfrenta a ameaça de ver a situação piorar ainda mais.