O homem feito refém pelos acusados do atentado à Maratona de Boston na semana passada rompeu o silêncio e contou como foram os 90 minutos que passou em um carro com os irmãos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev. E como conseguiu escapar. O relato mostra o irmão mais velho mais falante, enquanto os Tsarnaev não pareciam tensos em conversar diante de um estranho.
O empresário chinês de 26 anos se identificou apenas como Danny ao jornal "Boston Globe". Ele foi sequestrado por volta das 23h da quinta-feira da semana passada, ao encostar a Mercedes que dirigia nos arredores de Cambridge para falar ao celular.
Um carro freou atrás da Mercedes e um homem vestido de preto apareceu em sua janela, falando rápido. Quando Danny abriu o vidro para escutar melhor, o estranho destravou a porta e mostrou uma arma, subindo no carro. O homem era Tamerlan, de 26 anos, que morreria horas mais tarde num confronto com a polícia.
"Não seja esúpido", disse Tamerlan, perguntando se Danny estava acompanhando o noticiário sobre o atentado. "Eu fiz aquilo. E acabei de matar um policial em Cambridge".
O empresário contou que seguiu ordens de Tamerlan para dirigir em frente, enquanto o outro veículo os seguia. Depois, eles pararam e Danny passou para o banco de passageiros. Os irmãos trouxeram objetos pesados do outro carro e Dzhokhar, de 19 anos, passou para o veículo da frente.
"A morte esteve tão perto de mim. Eu não queria morrer. Ainda tenho tantos sonhos sem realizar", disse Danny ao jornal, contando como se sentiu naquele momento.
Por uma hora e meia, os três percorreram subúrbios de Boston. Os sequestradores falavam de assuntos comuns, segundo Danny: garotas, limites de crédito para estudantes, elogiavam a Mercedes, comentavam o iPhone 5 e se alguém ainda ouvia CD. Falaram ainda sobre ir a Nova York. Em certo momento, falaram em uma língua estrangeira e Danny só distinguiu a palavra Manhattan.
Tamerlan perguntou ao empresário se o carro enfrentaria uma viagem até fora do estado, "como até Nova York", disse.
Quando um amigo tentou entrar em contato com Danny, primeiro por torpedo em mandarim e depois ligando, Tamerlan mandou que respondesse em inglês. "Se disser uma única palavra em chinês, eu mato você agora mesmo", teria dito.
Em outro momento, Tamerlan gritou: "Não olhe para mim! Você se lembra do meu rosto?" "Não, não me lembro de nada", teria respondido Danny. Tamerlan riu e disse: "É como os caras brancos. Eles olham os negros e acham que todos se parecem. Talvez você ache que todos os brancos sejam parecidos".
Danny chegou aos EUA em 2009 para cursar mestrado, terminado em janeiro. Voltou à China para aguardar o visto e retornou aos EUA há dois meses. Ele disse a Tamerlan que ainda era um estudante. "Ok, você é chinês. Eu sou muçulmano". "Chineses são amigos dos muçulmanos", disse Danny.
A chance de fugir veio quando os irmãos pararam para abastecer o carro. Dhokhar saiu com o cartão de crédito do empresário, mas retornou dizendo que só aceitavam dinheiro. Tamerlan lhe deu algum dinheiro e o irmão mais novo entrou no posto. O mais velho colocou, então, a arma no compartimento da porta do carro e começou a mexer no GPS.
Danny soltou o cinto de segurança, abriu a porta, pulou para fora e correu em uma direção que seria difícil para Tamerlan acertá-lo. "Se eu não conseguisse (ser rápido), ele teria me matado", contou ao "Globe". "Eu consegui. Fui muito rápido, usando as mãos esquerda e direita ao mesmo tempo".
Tamerlan tentou agarrá-lo, mas não conseguiu. Danny correu através de um pátio até um outro posto de gasolina onde se escondeu, pedindo ao caixa para chamar a polícia.
Os irmãos Tsarnaev fugiram na Mercedes. Pouco depois se envolveram no tiroteio em que Tamerlan morreu e do qual Dhokhar escaparia para ser capturado quase 20 horas depois em um barco em Watertown.
A polícia acredita que a fuga de Danny possa ter evitado um possível ataque a Nova York, e o seu celular ajudou a rastrear o carro. O empresário, no entanto, não quer ser conhecido. "Eu só estava tentando me salvar".