Na última terça-feira (14), milhões de californianos foram às urnas para decidir o destino do governador Gavin Newsom em um referendo de recall eleitoral, como é chamado o processo em que uma comunidade define em votação se um ocupante de cargo eletivo deve cumprir seu mandato até o fim ou não. Com a apuração apontando mais de 60% dos votos contra a revogação até sexta-feira (17), o democrata segue à frente do governo do estado mais populoso dos Estados Unidos. O mandato termina em janeiro de 2023.
As normas para a convocação de um referendo de recall eleitoral variam conforme o local onde há previsão legal para que seja realizado, e na Califórnia novas regras eleitorais estipulam que uma votação do tipo pode ser chamada se uma petição for assinada por ao menos 12% do número de votantes da última eleição para o cargo em questão.
Entre os motivos listados na petição que levou ao referendo, constavam as alegações de que Newsom apoia “leis que favorecem cidadãos estrangeiros, que estão no país ilegalmente, em detrimento dos próprios cidadãos californianos”, alta carga tributária, baixa qualidade de vida, racionamento de água e desrespeito à “vontade do povo a respeito da pena de morte”, ao suspender as execuções.
Uma das principais críticas ao referendo de recall eleitoral é que a representação política na Califórnia poderia sofrer uma distorção, já que a cédula de votação listava 46 nomes para assumir o governo do estado caso Newsom fosse destituído do cargo – aquele que tivesse mais votos, ainda que numa quantia muito inferior à de uma eleição para governador, assumiria o cargo. O alto custo do processo também foi criticado.
“Que perda colossal de tempo e dinheiro! As estimativas sugerem que o recall pode ter custado ao estado mais de US$ 300 milhões. E para quê? Ver um governador democrata relativamente popular ganhar quase dois terços dos votos?”, afirmou o comentarista político Chris Cillizza, da CNN. Logo após a votação, o legislativo californiano iniciou um debate sobre mudanças nas regras para convocação de referendos.
Existem leis que preveem a possibilidade de votações de recall eleitoral em vários países, de diferentes patamares de desenvolvimento e tradição democrática — Canadá, Equador, Alemanha e Filipinas são alguns exemplos.
Até mesmo a Venezuela, uma ditadura, tem previsão legal para referendos de recall eleitoral. Em 2004, uma votação manteve Hugo Chávez no poder, em processo à época considerado legítimo por observadores, mas que depois teve indícios de irregularidades apontados por analistas. Em 2016, um referendo para a retirada de Nicolás Maduro foi suspenso pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo ditador.
Resultados controversos
Nos Estados Unidos, segundo a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais (NCSL, na sigla em inglês), em 19 estados e no Distrito de Columbia existem leis para convocação de recalls eleitorais contra ocupantes de cargos eletivos.
Em cerca de 75% das votações, os referendos são relativos à continuidade ou não dos mandatos de vereadores e membros de conselhos escolares. Apesar de muitas tentativas de revogar mandatos de governadores americanos, apenas quatro tiveram assinaturas suficientes para que a questão chegasse às urnas; duas delas resultaram na saída do chefe do executivo estadual: em 2003, na Califórnia (o ator Arnold Schwarzenegger, do Partido Republicano, foi escolhido como substituto), e em 1921, na Dakota do Norte.
O NCSL destaca que o principal argumento para a realização de referendos de recall eleitoral é o aumento dos mecanismos de controle da população sobre seus representantes políticos, ao permitir a abreviação de mandatos de ocupantes de cargos eletivos que não atendem às necessidades locais. O órgão alerta, entretanto, que um dos riscos, além da instabilidade política, é a possível influência financeira de grupos interessados na destituição de determinados políticos.
Em artigo do ano passado em que analisou referendos de recall eleitoral em prefeituras do Peru, um dos países do mundo que mais fazem esse tipo de votação, Michael Haman, professor de ciência política da Universidade de Hradec Králové, na República Tcheca, apontou que esse mecanismo é uma esperança de aumentar a participação direta na política, mas sozinho não melhora a democracia.
“O Peru é um dos países com menos confiança em seus partidos políticos, no seu sistema democrático e na administração municipal em toda a América Latina. A possibilidade de revogações de mandatos, que deveria dar aos cidadãos maior poder de controle sobre os políticos, não mudou essa realidade. Ao realizar eleições revogatórias, os indivíduos buscam principalmente tomar o poder e, portanto, a revogação não pode ser descrita como uma ferramenta de controle civil”, argumentou.
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