La Paz O governo da Bolívia decidiu implantar um projeto de reforma agrária que promete desmontar os latifúndios do país. A reforma, que vai revisar os registros de imóveis, foi confirmada pelo vice-ministro de Terras, Alejandro Almaraz, citado ontem pelo jornal La Prensa, de La Paz. A reforma agrária tende a ser a maior batalha do presidente de esquerda, que assumiu no início deste ano.
O Movimento dos Sem-Terra (MST), que diz reunir 250 mil famílias de camponeses pobres e apoiou Morales na campanha eleitoral, exige a revogação da lei de distribuição de terras de 1996 e a redistribuição de pelo menos 500 mil hectares.
Segundo Almaraz, haverá "uma transformação suficientemente profunda nas estruturas socioeconômicas e institucionais da agricultura". O vice-ministro disse que um levantamento do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Inra) identificou brasileiros entre os proprietários de grandes áreas irregulares na região de Santa Cruz, departamento que faz divisa com o Brasil.
As medidas a serem adotadas pelo governo ainda não foram divulgadas nem têm data para entrar em vigor. A princípio, nenhum proprietário em situação regular deve perder suas áreas. Os latifundiários temem, no entanto, que o episódio da nacionalização do gás se repita. O governo prometeu não expropriar os bens das petroleiras, mas agora obriga todas as companhias a vender 51% de suas ações à administração pública, por preços ainda a serem estabelecidos.
Durante a campanha presidencial, Morales anunciou que faria reforma agrária nas regiões de Santa Cruz (leste), a província mais rica do país e sede de um poderoso empresariado agroindustrial, além de Pando (norte), Beni (nordeste) e Gran Chaco (sudeste).
O objetivo é confiscar terras irregularmente concedidas em regimes ditatoriais e usadas com fins especulativos, disse o Almaraz. A propriedade agrária é fonte de poder na Bolívia, justifica. Para ele, os latifundiários utilizam as propriedades concedidas pelo Estado "para conseguir créditos substanciais e revender os terrenos".
Especialistas temem uma onda de violência, como a que ocorreu entre 2000 e 2005, quando pelo menos 100 camponeses sem-terra morreram e diversas tentativas de invadir fazendas no leste boliviano. "Pode haver enfrentamentos e manifestações", comenta o analista Marcelo Varnoux. O tema é "muito sensível" e pode provocar "uma caça às bruxas" no leste da Bolívia, avaliou Gabriela Ichazu, ex-vice-ministra da Participação Popular.
Morales teve encontro ontem com o nacionalista candidato a presidente do Peru, Ollanta Humala, às margens do Lago Titicaca, mas não detalhou a reforma agrária. Eles discutiram uma forma de "salvar" a Comunidade Andina de Nações (CAN), que deve ser abandonada pela Venezuela. Na reunião, o presidente boliviano chegou a autografar fotos de Fidel Castro, reafirmando sua ligação com a esquerda.