População de Florestópolis fez homenagem à Zilda Arns
Foi com surpresa que o arcebispo de Londrina, dom Orlando Brandes, recebeu a notícia da morte da médica pediatra e sanitarista, Zilda Arns. Fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança, Zilda morreu no forte terremoto que abalou o Haiti na terça-feira (12). A informação da morte dela foi divulgada nesta manhã pelo gabinete do senador Flávio José Arns, sobrinho de Zilda, em Curitiba.
"Pelo fato da pastoral da criança ter nascido na Arquidiocese de Londrina, dona Zilda tinha um carinho muito especial com nossa arquidiocese, e com Florestópolis", afirmou o arcebispo. Florestópolis, no Norte do Paraná, foi a cidade em que o trabalho teve início, em 1983. A cidade foi escolhida, porque apresentava um índice de 127 crianças mortas a cada mil nascidas vivas.
Com a redução drástica da mortalidade infantil em Florestópolis para 28 mortes por mil habitantes, logo no início dos trabalhos, Zilda Arns foi convidada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a apresentar o projeto a outros bispos do Brasil. Zilda foi convidada por eles a implantar a pastoral em diversas dioceses (cidades) do país. O trabalho chamou a atenção do Unicef, que internacionalizou a prevenção à mortalidade infantil, levando a pastoral da criança para diversos países.
De acordo com senador Flávio Arns (PSDB), sobrinho de Zilda, em entrevista ao ParanáTV 1ª Edição, disse que a tia estava no Haiti justamente para apresentar e discutir os métodos da pastoral. Zilda motivaria líderes comunitários para trabalhar com as crianças, além de participar de uma conferência religiosa.
"O primeiro contato foi com [ex-arcebispo de Londrina] dom Geraldo Magella. Ele perguntou se nós aceitávamos implantar uma pastoral na Igreja Católica", contou Eunice Vicente Cardoso, que esteve na primeira reunião de apresentação do projeto da Pastoral da Criança, em 1983. "Vieram o arcebispo e dona Zilda. Desde então, não paramos o trabalho", disse. Atual coordenadora da pastoral em Florestópolis, Eunice contou que Zilda Arns implantou métodos simples para prevenir a mortalidade infantil.
"Ela trouxe a prevenção para evitar as mortes, como aplicação rigorosa de vacinas, aleitamento materno e mais amor e carinho na hora da amamentação, além de uma boa hidratação para crianças com diarreia, porque as crianças morriam muito de desidratação. Tudo isso para salvar vidas", lembrou Eunice. Ela ressaltou que a médica pediatra sempre foi uma pessoa inteligente. "Era muito inteligente, culta e viajada, mas ao mesmo tempo muito humilde, simples e compreensiva. Sabia entrar na casa de um presidente da república, mas também na casa de um favelado", destacou.
Reconhecimento
"É uma perda que recebemos com surpresa, mas também com muito reconhecimento e gratidão pela pessoa que ela era", ressaltou dom Orlando Brandes. O arcebispo destacou os trabalhos realizados e a indicação ao prêmio Nobel da Paz. "Dona Zilda tinha um amor incontestável pela Igreja Católica, mantendo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um grande canal de diálogo e comunicação", afirmou.
"Era uma pessoa de Deus, da família e uma profeta da vida. Foi uma mulher que tornou a Igreja Católica mais santa e o Brasil mais conhecido no mundo", definiu. "A arquidiocese apresenta nossas condolências aos familiares e tem a obrigação de rezar por ela, para que receba a recompensa por ter sido uma serva fiel e muito amada. Em todas as paróquias iremos celebrar nas intenções dela e pela alma dela", disse o arcebispo.
Saudade
A fundadora da Pastoral da Criança deixará saudade por onde passou e implantou ao trabalho de prevenção à mortalidade infantil. "Ela frequentou muito a nossa cidade. Na última vez em que ela esteve em Florestópolis, no fim do ano passado, eu disse que deixaria a coordenação da pastoral na cidade. Mas ela ainda me falou para eu não sair da pastoral, porque isso seria um escândalo", lembrou, emocionada, Eunice.
Eunice ressaltou ainda que o trabalho da pastoral deve continuar. "Porque o exemplo que ela deu, na hora da morte, de amor à pastoral. Ela morreu trabalhando pelas crianças e ofereceu a vida pela pastoral. Esperamos que as lideranças peguem esse exemplo e jamais deixem o trabalho morrer", disse Eunice.
Vida dedicada à saúde pública
Nascida em 25 de agosto de 1934, em Forquilhinha (Santa Catarina), Zilda Arns Neumann morava em Curitiba desde os 10 anos de idade, quando se mudou com a família. Deixou cinco filhos e dez netos.
Formada em Medicina, escolheu o caminho da saúde pública desde cedo. Trabalhou inicialmente como pediatra do Hospital de Crianças Cezar Pernetta, na capital paranaense, e posteriormente como diretora de Saúde Materno-Infantil, da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná.
Em 1980, foi convidada a coordenar a campanha de vacinação Sabin para combater a primeira epidemia de poliomielite, que começou em União da Vitória, no Paraná.
Em 1983, a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criou a Pastoral da Criança com Dom Geraldo Majela Agnello, cardeal e arcebispo primaz do Brasil, que na época era arcebispo de Londrina. Em 27 anos de trabalho, a Pastoral conta com a ajuda de mais de 260 mil voluntários e atende quase 2 milhões de gestantes e crianças menores de seis anos e 1,4 milhão de famílias pobres, em 4.063 municípios brasileiros.
Em 2008, mais de 1,9 milhão de gestantes e crianças menores seis anos e 1,4 milhão de famílias pobres foram acompanhados pela ONG em 4.063 municípios brasileiros. Ao todo, a Pastoral conta com mais de 260 mil voluntários que levam conhecimentos sobre saúde, nutrição, educação e cidadania para as comunidades mais pobres.
No ano de 2004, também a pedido da CNBB, fundou a Pastoral da Pessoa Idosa que atende 129 mil idosos acompanhados, todos os meses, por 14 mil voluntários.
Reconhecida nacionalmente e internacionalmente pelo trabalho que realizava, Zilda Arns era cidadã honorária de 10 estados e 35 municípios. Recebeu títulos de doutor honoris causa de cinco universidades: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Universidade Federal do Paraná, Universidade do Extremo-Sul Catarinente de Criciúma, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade do Sul de Santa Catarina.
Entre os prêmios que recebeu ao longo da carreira estão o Woodrow Wilson, da Woodrow Wilson Fundation, em 2007; o Opus Prize, da Opus Prize Foundation (EUA); Heroína da Saúde Pública das Américas (OPAS/2002); 1º Prêmio Direitos Humanos (USP/2000); Personalidade Brasileira de Destaque no Trabalho em Prol da Saúde da Criança (Unicef/1988); Prêmio Humanitário (Lions Club Internacional/1997) e Prêmio Internacional em Administração Sanitária (OPAS/ 1994). Em 2006, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz.
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