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O governo do Reino Unido planeja começar a enviar “em breve” solicitantes de asilo para Ruanda, depois de assinar um controverso acordo com o país africano na quinta-feira para acolhê-los, segundo informou na sexta-feira o subsecretário de Justiça e Combate à Migração Ilegal, Tom Pursglove. A proposta foi criticada por políticos de todos os partidos e mais de 160 organizações não governamentais.
Falando à emissora ITV, Pursglove defendeu o plano do governo de reassentar primeiro em Ruanda os imigrantes solteiros do sexo masculino que chegam ilegalmente ao Reino Unido. O ministro disse que o sistema pode ser amparado na legislação imigratória em vigor e deverá estar operacional nos próximos meses, e garantiu que será rentável para Ruanda “no longo prazo”. O plano, segundo explicou, pretende que os imigrantes enviados para Ruanda – aqueles que são considerados imigrantes econômicos e não refugiados de conflitos – “possam levar uma vida próspera” no país africano, ao mesmo tempo que rompe “o modelo de negócio das gangues de tráfico de seres humanos”.
Embora os detalhes sejam desconhecidos, o Executivo anunciou que o programa de entrada será aplicado a imigrantes do sexo masculino que tenham chegado ilegalmente em barcos ou caminhões através do Canal da Mancha por razões econômicas. Em 2021, um recorde de 28.526 pessoas chegaram ilegalmente ao Reino Unido através do Canal da Mancha em navios fretados de centros de detenção na França, 8.404 a mais do que em 2020. Embora esse número seja minúsculo em comparação com os milhões de refugiados que outros países recebem, por exemplo, como resultado do conflito na Ucrânia, o governo do premiê Boris Johnson quer reduzi-lo para cumprir sua promessa eleitoral.
Segundo ministro, plano se aplica aos considerados “imigrantes econômicos” e não refugiados de conflitos
Mais de 160 entidades condenaram “cruel e mesquinha” a iniciativa do governo, que está sob pressão para erradicar a imigração ilegal como parte de sua promessa de recuperar “o controle das fronteiras” após o Brexit. Em uma carta aberta a Johnson e à ministra do Interior, Priti Patel, as entidades signatárias exigiram o abandono do programa e, em seu lugar, “fornecer soluções humanas e eficazes” para aqueles que buscam refúgio no Reino Unido. “Enviar requerentes de asilo para Ruanda causará imenso sofrimento e os mais vulneráveis serão os mais prejudicados”, escreveram. “É uma forma vergonhosamente cruel de tratar as pessoas que vieram para o Reino Unido em busca de proteção, fugindo de perseguições ou conflitos”, acrescentaram. As ONGs também questionaram se as pessoas serão forçadas a embarcar no avião e se a transferência de “sobreviventes de tortura ou tráfico, crianças e pessoas doentes ou com graves problemas de saúde mental” será contemplada.
Tanto estas organizações, incluindo a Anistia Internacional, quanto vários deputados frisaram o fraco histórico de proteção dos direitos humanos de Ruanda e alertam que o custo do programa será “astronômico”, quando forem somados todos os custos de detenção, transporte, escolta, legais e administrativos. Pelo acordo de cinco anos com Ruanda, o governo britânico pagará 120 milhões de libras (cerca de R$ 735 milhões), para iniciar o sistema de acolhimento, e depois pagar outras quantias por cada imigrante recebido.
Agência e comissária da ONU também criticam plano
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, manifestaram na sexta-feira sua forte oposição ao plano do governo britânico de “exportar” imigrantes para Ruanda. “Somos firmemente contra o plano de buscar transferir refugiados e requerentes de asilo para terceiros países em meio à ausência de garantias e normas. Isso implica simplesmente a evasão de obrigações internacionais”, disse o órgão da ONU, que tem como missão proteger os refugiados. Tal ideia também viola a letra e o espírito da Convenção Internacional sobre Refugiados, da qual o Reino Unido é parte, acrescentou.
A Acnur disse que as pessoas que fogem de conflitos e perseguições merecem compaixão e empatia e não devem ser tratadas como objetos a serem negociados e transferidos para o exterior. Nessa linha, pediu ao Reino Unido e Ruanda que refletissem e mudassem seus planos. De forma clara, destacou que, caso não o fizessem, o risco para os refugiados aumentaria, pois procurariam rotas alternativas. “A Acnur acredita que as nações mais ricas devem mostrar solidariedade e apoiar Ruanda e os refugiados que acolhe há décadas”, disse, lembrando que a grande maioria deles vive em campos e sem oportunidades econômicas.
Bachelet também declarou sua oposição à ideia do Reino Unido devido aos riscos de violações de direitos humanos que isso poderia acarretar. Entre eles, mencionou os riscos de não realizar uma avaliação individual adequada, deportação, transferências forçadas, detenção arbitrária, trauma e separação familiar.