Caminhões são mantidos em fila a alguns quilômetros do porto de Dover, sul da Inglaterra, enquanto participam de um teste em preparação a possíveis engarrafamentos pós-Brexit| Foto: GLYN KIRK / AFP

Como uma operação militar, o projeto para testar como o tráfego pode fluir na região do Sudeste da Inglaterra no caso de um Brexit sem acordo começou antes do amanhecer. E, como muitas operações militares, teve problemas assim que entrou em contato com a realidade.

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O Departamento de Transportes solicitou entre 100 e 150 caminhões para a operação na manhã desta segunda-feira (7) em um campo de aviação desativado em Kent. Apenas 89 apareceram. 

Os caminhões fizeram fila na pista de decolagem, esperando para serem movidos. Em 2015, o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), pró-Brexit, propôs a reabertura do Aeroporto de Manston, para ajudar a economia local. Provavelmente não era isso que eles tinham em mente. 

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Durante o resto da manhã, os veículos se moveram em comboios indo e voltando do porto de Dover em testes que a Associação de Transporte Rodoviário do Reino Unido (RHA) considerou muito limitados para replicar as cenas caóticas que podem acontecer se o tráfego for retido por atrasos nos serviços aduaneiros depois de 29 de março, a data em que o Reino Unido deve sair da União Europeia. 

“Isso deveria ter sido feito nove meses atrás”, disse o diretor de políticas da RHA, Duncan Buchanan, em uma entrevista. “A preparação precisa ser por etapas, precisa ser pensada, envolver milhares de caminhões e, muito importante, abordar o comportamento individual dos motoristas”. 

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O exercício destina-se a testar a prontidão do Reino Unido para o caso de a primeira-ministra Theresa May não conseguir a aprovação do seu acordo para o Brexit no Parlamento e o país sair do bloco sem um acordo para suavizar a separação. 

Espera-se que uma saída abrupta sem um acordo leve à introdução de barreiras tarifárias e alfandegárias que tornariam mais lento o ágil tráfego de balsas e sobre trilhos que ligam a Grã-Bretanha à Europa continental. 

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O impacto no sistema de transporte – especialmente na circulação de mercadorias pelas fronteiras do Reino Unido – seria potencialmente enorme. Atualmente, os caminhões são transportados entre Dover e Calais, a 40 quilômetros de distância através do Canal da Mancha, com um mínimo de atraso. Mas os controles de alfândega, se necessários, podem levar até 45 minutos por veículo, podendo causar engarrafamentos de mais de 25 quilômetros na estrada. 

O exercício, conhecido como Operação Brock, está transformando o Aeroporto de Manston em uma área de espera para caminhões de carga. O objetivo é fornecer uma alternativa à Operação Stack, na qual os caminhões estacionam em parte da rodovia M20. A preocupação é que a importante via de transporte pode ficar irremediavelmente congestionada em caso de atrasos significativos na fronteira. 

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“Não queremos ou esperamos um cenário de não negociação e vamos continuar trabalhando duro para chegar a um acordo com a UE”, disse o Departamento de Transportes em comunicado. “No entanto, é dever de um governo responsável continuar a se preparar para todas as eventualidades e contingências, incluindo um possível não acordo."

Quando haverá votação? 

O secretário do Brexit do Reino Unido, Stephen Barclay, confirmou nesta segunda-feira que a votação no Parlamento sobre o acordo de retirada e a declaração política sobre a relação futura com a União Europeia ocorrerá na semana que vem. “Sim”, foi a resposta dada pelo membro do gabinete da primeira-ministra Theresa May após ser repetidamente instado a responder se o “voto significativo” seria mesmo realizado nesse período. 

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Antes do recesso de fim de ano do Parlamento britânico, May anunciou que o debate sobre o trato seria retomado na atual semana e a votação, na semana de 14 de janeiro. A premiê chegou a pautar esse voto para o dia 11 de dezembro do ano passado, mas o cancelou na véspera da data diante da ameaça de uma derrota acachapante do documento negociado por ela junto à União Europeia. 

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Pode haver renegociação? 

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, terá novas conversas esta semana com a primeira-ministra do Reino Unido, mas voltou a descartar a renegociação do acordo de Brexit fechado entre as partes em novembro, afirmou hoje o porta-voz da comissão, Margaritis Schinas. 

Segundo Schinas, o acordo – que prevê a retirada do Reino Unido da União Europeia até 29 de março – “na mesa é o melhor e único acordo possível”. 

No Reino Unido, havia alguma expectativa de que o acerto pudesse ser revisto, mas Schinas ressaltou que o “acordo não será renegociado”.

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Trabalho de convencimento

Theresa May fez fortes críticas contra o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn em artigo publicado neste domingo no jornal Mail Online, afirmando que ele sequer “leu o acordo do Brexit” antes de rejeitá-lo. “Sua política é cínica e incoerente”, afirmou em texto replicado também em sua página no Facebook. 

Em dezembro, Corbyn submeteu uma moção de desconfiança contra a primeira-ministra. Diferentemente de uma moção contra o governo britânico, esse movimento é direcionado apenas à May e tem caráter meramente simbólico. 

“A visão deles, de Corbyn e do Partido Trabalhista em relação ao Brexit é um exemplo cínico de incoerência, concebida para evitar decisões difíceis. Ele nem mesmo se deu ao trabalho de ler o acordo fechado e já se posicionou contra. Diz a um grupo que irá manter o Reino Unido em um mercado único, enquanto promete a outro o fim da livre movimentação. A todo o momento, ele se mostrou o oposto de um líder, servindo não ao interesse nacional, mas sempre ao seu próprio interesse político”. 

Ao defender que o Reino Unido se encontra em um momento decisivo, May defende que “quando os deputados votarem a saída da UE, determinarão o rumo do país para o futuro”. 

May encerra o artigo com um apelo "para o meu partido", o Parlamento e o país: “Neste ano, vamos descobrir o novo espírito do propósito comum. Vamos concordar com um acordo do Brexit que nos mova rumo a um futuro brilhante com confiança. Vamos garantir o futuro de nosso Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês). E façamos de 2019 um ano para nos orgulhar”.

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Informações: The Washington Post e Estadão Conteúdo