Soldado talibã em Cabul, capitã afegã: supervisor independente do Pentágono disse que há risco do fiasco americano se repetir no futuro, porque “aprender lições não está no nosso DNA”| Foto: EFE/EPA/SAMIULLAH POPAL
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A falta de planejamento e vontade da liderança política e militar dos Estados Unidos causou o colapso das forças de segurança afegãs que levou o Talibã a tomar o Afeganistão, disse nesta terça-feira (28) um supervisor independente do Pentágono.

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O inspetor especial dos EUA para a Reconstrução do Afeganistão, John Sopko, concedeu uma entrevista coletiva para apresentar um relatório condenatório sobre as razões do colapso das tropas afegãs após 20 anos de treinamento militar e fornecimento de armas dos EUA.

O relatório afirma que a decisão do ex-presidente Donald Trump (2017-2021) e do atual mandatário, Joe Biden, de retirar as tropas americanas do país levou a uma cadeia de decisões nas agências dos EUA, do governo do ex-presidente afegão Ashraf Ghani (2014-2021) e dos talibãs, o que acelerou os acontecimentos de agosto de 2021.

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Naquele mês ocorreu o colapso das forças de segurança afegãs, e os talibãs assumiram o controle do país, enquanto os EUA completaram a sua retirada no final de agosto de 2021. No entanto, o inspetor especial frisa que houve uma série de problemas que acarretaram este resultado.

Falando aos repórteres, Sopko observou que os EUA gastaram muita verba na construção das forças afegãs e no desenvolvimento do país, que acabou sendo desperdiçada.

Ressaltou também a falta de coordenação, pois havia diversas agências americanas envolvidas no Afeganistão sem alguém para coordenar o trabalho conjunto. Segundo ele, “não havia ninguém no comando”.

Sopko também argumentou que, quando alguém está em um país, “tem de compreender onde trabalha”, o que não aconteceu com os EUA. Deu como exemplo uma frase que ouviu inúmeras vezes no Afeganistão, quando funcionários dos EUA lhe diziam: “Já fizemos isto no Iraque”, o que considerou incorreto porque “o Iraque e o Afeganistão são diferentes”.

“Não entendemos onde estávamos, a cultura, a política, não levamos em conta a corrupção”, comentou, acrescentando que a “falta de sustentabilidade” das forças armadas afegãs, que foram concebidas à imagem dos EUA, também não foi levada em consideração.

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Alerta sobre a Ucrânia

O inspetor observou que os afegãos sabiam como operar e manter o armamento soviético por motivos históricos, mas os EUA decidiram fornecer equipamentos, de modo que, logo que os americanos partissem, era previsível que corpos como a força aérea afegã entrariam em colapso.

“Esperamos que isto não aconteça na Ucrânia”, ressaltou Sopko, referindo-se à ajuda militar e humanitária que os EUA estão enviando a Kiev para ajudar na resistência à invasão russa.

No relatório, o inspetor especial critica o sistema de rodízios das forças dos EUA como “não eficaz”, uma vez que a cada poucos meses havia uma pessoa diferente nas posições de decisão.

Segundo ele, os presidentes dos EUA, de George W. Bush (2001-2009) a Biden, não se mostraram dispostos a permanecer no Afeganistão, o que resultou em problemas com o calendário estabelecido pelos americanos.

“Era um calendário irrealista para o sucesso. O sucesso deveria ser medido em relação à realidade no terreno”, opinou.

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Outra preocupação abordada no relatório é o equipamento militar que os EUA deixaram para trás quando partiu: “O Afeganistão é conhecido por ser um bazar de armas, não sei se acabaram nas mãos dos talibãs”, destacou.

Em suma, nos 20 anos em que os EUA estiveram no Afeganistão, nunca houve uma estratégia “a longo prazo” para construir forças de segurança “eficazes”, porque “em vez de um plano de 20 anos, houve 20 planos em 20 anos”.

Perguntado qual foi a sua maior surpresa durante a investigação, comentou que foi o estado de “negação” em que Ghani se encontrava durante a retirada dos EUA.

Sopko detalhou que Ghani “estava a planejando a renovação urbana, enquanto os talibãs estavam tomando o território”.

Apesar de todos os problemas mencionados no seu relatório, Sopko admitiu que não está “superotimista” de que os EUA tenham aprendido com os seus erros. “Aprender lições não está no nosso DNA”, concluiu.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]