Porto Príncipe - No momento em que o país mais pobre do Ocidente se viu vítima de uma tragédia desoladora, um exército de 10 mil voluntários e funcionários de organizações não governamentais (ONGs) veio em seu socorro. Hoje, aqui, ao completar um ano do terremoto que matou cerca de 230 mil pessoas, os haitianos contam com a ajuda das ONGs para ter acesso a serviços básicos ajuda que, para muitos, ainda é altamente ineficiente. Quanto ao Estado, é como se não existisse. Nunca foi devidamente reestruturado após o evento e agora vive sob uma indefinição política.
É quase sem surpresa, portanto, que o aniversário da tragédia seja recheado de números desanimadores. A Unicef divulgou na última semana que 4 milhões de crianças continuam sem acesso a água limpa, educação e proteção contra doenças.
A Anistia Internacional contabilizou 250 casos de estupro em campos de refugiados só nos primeiros cinco meses após a tragédia. A Oxfam escancarou a falência dos esforços de reconstrução: apenas 5% dos destroços foram removidos e só 15% das habitações, reconstruídas.
"É difícil encontrar outro contexto pós-catástrofe em que haja presença internacional tão maciça e, ao mesmo tempo, tanta autonomia sem prestação de contas", disse à Gazeta do Povo o sociólogo da Universidade Alemã de Flensburg, na Alemanha, Sebastião Nascimento, que morou no Haiti e realizou estudos sobre o país.
Em relatório publicado na semana passada, o Disaster Accountability Project concluiu que as ONGs oferecem muito pouca informação sobre a utilização do dinheiro coletado. De 196 organizações pesquisadas, só 38 responderam à pesquisa da entidade. Apenas 8 foram consideradas boas prestadoras de contas.
As 38 ONGs que responderam ao questionário declararam haver arrecadado US$ 1,4 bilhão para o Haiti, mas, no fim de 2010, apenas a metade do dinheiro havia sido destinado a projetos.
Além da falta de transparência, especialistas apontam a falta de integração do trabalho. "As organizações não dividem o dinheiro", criticou, à Gazeta do Povo, o diretor da Fundação Canadense para as Américas, Carlo Dade.
Falta Estado
A esperança de que um mínimo de direção fosse dada ao país com a eleição do novo presidente do Haiti, que deveria tomar posse no próximo dia 7 de fevereiro, se desfaz na medida que o resultado do primeiro-turno é contestado e a realização do segundo, adiado. Os haitianos votariam no próximo domingo, mas a ONU, que mantém uma missão de pacificação no país (Minustah), considera difícil que a ida às urnas ocorra antes do fim de fevereiro.