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Monumento a Vítor Emanuel II em Roma.
Monumento a Vítor Emanuel II em Roma.| Foto: juliacasado1/Pixabay

Vista desde o âmbito realista da doutrina social da Igreja, a República Italiana, que se celebra a cada 2 de junho, parece mais uma ideologia do que uma realidade. Por isso, apesar de a fumaça tricolor desenhar-se nos céus e do feriado que permite a muitos ir à praia, a República Italiana é algo frágil sem a retórica política. Ficar ciente disso pode ser um bom serviço para italianos em todo o mundo.

A sua própria origem se confunde na incerteza. A historiografia manteve-se calada sobre muitas coisas, fez-se um roteiro empacotado e muitos mitos politicamente úteis foram criados: desde o “fascismo: mal absoluto” até a natureza democrática do comunismo, e a Resistência italiana como um fenômeno multifacetado, glorioso e inglório ao mesmo tempo.

O ensino estatal é ainda o principal veículo dessa interpretação, inclusive em suas versões mais atuais.

Até o projeto de lei Zan [que versa sobre a “homotransfobia”] afirma representar o espírito da Resistência, a ANPI [Associação Nacional dos Partisans da Itália – criada para promover os valores da Resistência] o apoia, e aqueles que pensam de forma diferente sobre o aspecto natural do gênero masculino e feminino são ainda chamados de "fascistas".

A força da República Italiana está na fragilidade, que já está patente no texto da Constituição. A fraqueza consiste em não se referir a nenhum fundamento verdadeiramente consistente para além das maiorias parlamentares: não ao direito natural e, claro, não a Deus. A Constituição diz que o Estado “reconhece” os direitos dos cidadãos consagrados nos artigos primeiros, mas os acórdãos do Tribunal Constitucional deixaram claro que "reconhece" não significa que os encontre numa ordem objetiva, mas que os regista como vividos e partilhados pelos cidadãos.

A falta de uma base sólida, uma vez que a herança moral religiosa e natural do povo italiano desapareceu com o tempo – do qual a própria Constituição Republicana foi a principal arquiteta – transformou a Itália em uma república processual, a tal ponto que, obedecidos os devidos trâmites, até foram introduzidas leis contrárias à Constituição, bem como, é claro, ao direito natural. A Lei Cirinnà [Lei italiana que autoriza a união civil de pessoas do mesmo sexo] e agora o Projeto de Lei Zan são exemplos claros e recentes disso, e, infelizmente, não os últimos.

Uma república processual é (fortemente) fraca porque o que ela estabelece hoje pode mudá-lo amanhã e o cidadão fica privado de seguranças e proteções elementares. Mas por isso mesmo também é (fracamente) muito forte porque se pode fazer o que quiser, basta seguir os procedimentos que, contudo, também podem ser alterados ao se seguir os procedimentos. Na verdade, todo sistema de república ideológica predispõe de um procedimento para mudar o procedimento.

Ao longo das décadas desde aquele distante 2 de junho de 1946, a República Italiana se enfraqueceu cada vez mais e as verdades que ela propõe e nas quais afirma se basear se mostraram agora muito frágeis e apoiadas quase apenas pela retórica compartilhada pelo aparato burocrático. Precisamente pela mesma razão, no entanto, tornou-se muito mais impositiva, disciplinadora, invasiva e abrangente.

Usa a escola pública para doutrinar, diz à população o que é o seu corpo e como deve tratá-lo, vacina a todos decidindo o porquê, obriga a transições ecológicas e digitais por meio de planos abrangentes. Mesmo o voto em eleições, que deveria ser tido em alta conta em uma República processual, tornou-se um produto raro.

A República Italiana afirma ter nascido da liberdade, mas percebemos que é precisamente a liberdade que está sendo perdida nesta República ideológica. A família é um espaço de liberdade, que, porém, é cada vez mais reduzido. A comunidade local ou de pertença é um lugar de liberdade, mas a subsidiariedade é um princípio desconhecido pela República ideológica.

A propriedade e o trabalho são instrumentos de liberdade, mas o controle centralizado sobre os instrumentos econômicos aumenta e durante o lockdown ninguém, nem mesmo os sindicatos ora desaparecidos, lembraram o que diz o artigo primeiro da Constituição: um ditado – “A Itália é uma república fundada no trabalho” – um tanto obscuro e vagamente interpretável, mas ainda a ser respeitado pelo menos da parte dos fiéis republicanos.

A tecnologia deve ser um instrumento de liberdade, mas a vigilância da sociedade aumenta. A religião católica é um modo (o modo, para os crentes) de ser livre, mas seu desprezo está na ordem do dia em nossa República laicamente ideológica e também é possível blasfemar na televisão estatal enquanto os governos ordenam o fechamento de igrejas por motivo de contágio.

A liberdade da República Italiana – diz-se – nasceu na Europa, mas a sua participação na União Europeia muitas vezes significa a importação forçada de visões erradas e obrigatórias.

A República Italiana foi e é um projeto, um projeto para mudar os italianos, para modernizá-los de acordo com os princípios das ideologias dominantes na modernidade, por isso pode ser chamada de República ideológica.

Não se funda na realidade da sociedade italiana, em seus objetivos naturais, em suas características fisiológicas recebidas de baixo e adotadas pelo alto, mas quer intervir com moldes de engenharia social e política para remodelar tudo de acordo com uma ideia. Naturalmente, sendo ela uma República procedimental, é baseada no consenso... depois de tê-lo criado artificialmente.

Stefano Fontana é ensaísta e jornalista. Estudioso da doutrina social da Igreja, da filosofia política e da relação entre fé e política, é diretor do Observatório Internacional Cardeal Van Thuân.

© 2021 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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