Um dia depois de a Controladoria Geral da República da Venezuela anunciar que a deputada Maria Corina Machado estaria inabilitada politicamente por 12 meses, portanto fora do pleito parlamentar de dezembro próximo, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) e a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM) apresentaram na quarta-feira à Mesa do Senado um relatório atestando “clima de normalidade” no país.
O documento de 91 páginas é resultado da visita de uma comissão brasileira que se encontrou com representantes do governo Nicolás Maduro e da oposição.
O anúncio revoltou senadores opositores que, semanas antes, ficaram presos no aeroporto e foram impedidos de cumprir a agenda pretendida de reuniões e visita a presos políticos contrários ao governo de Maduro.
Além de Maria Corina, a deputada mais votada da Venezuela, a CGR da Venezuela já inabilitou por um ano o ex-prefeito Daniel Ceballos, que continua preso. A mesma sanção atingiu também Vicenzo Scarano. Os dois eram candidatos nas eleições de dezembro ao Parlamento.
Na sexta-feira o órgão inabilitou também o líder opositor e ex-governador do estado de Zualia, Pablo Pérez, de exercer cargos públicos pelos próximos dez anos. O ex-prefeito de Caracas, Antônio Ledezma e o líder maior da oposição, Leopoldo López, continuam presos e não julgados.
Bate-boca
Ao comunicar ao plenário que estava entregando o relatório da comissão por ele chefiada a Venezuela, o senador Roberto Requião disse que — ao contrário da comissão liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) — haviam chegado a noite em Caracas e, sem nenhum problema se dirigiram ao hotel, e falaram diretamente com todos os grupos de oposição e do Governo Maduro.
No encontro com o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, braço direito de Maduro, Requião contou que, quando falaram das prisões, foram informados que o ex-Presidente Chaves havia anistiado todos os opositores e que eles posteriormente levantaram um movimento que devia ir às ruas e só voltar quando caísse o governo.
O movimento, disse Requião, foi responsável por 43 mortes .
“Voltamos, apresentamos este relatório e podemos, com tranquilidade, dizer que a questão venezuelana deve ser resolvida por eleições. E a Venezuela terá, em janeiro, a possibilidade de um recall, desde que seja requerido pela oposição, que é quando a população vota e, com seu voto, pode derrubar, inclusive, um governo”, disse.
“As prisões foram determinadas pelo Ministério Público ou o equivalente de lá e são tratadas judicialmente. Foi o que nós vimos na Venezuela, sem nenhuma dificuldade de acesso”, relatou Requião.
“Essa Venezuela que Vossa Excelência visitou não é o mesmo País que visitamos”, retrucou o senador Sérgio Petecão (PSD-AC).
No debate, o senador Aloysio Nunes disse que havia, entre as duas comissões que foram a Venezuela, uma diferença de visões sobre a realização das eleições para resolver uma crise política : é preciso que as eleições sejam livres e isso não seria possível com líderes da oposição presos.
Ele disse então que a gravidade da situação era demonstrada pelo caso da inabilitação da deputada María Corina Machado, uma das representantes da oposição que se encontrou com o Senador Requião.
“A deputada foi cassada de uma maneira arbitrária. Em menos de duas horas seu mandato foi cassado, ela foi espancada no plenário da Assembleia Nacional venezuelana, foi espancada lá dentro, e foi expulsa do plenário. É uma das líderes da oposição. Pretendia e pretende participar das eleições”, ponderou Aloysio Nunes.
Também integrante da comissão impedida de sair do Aeroporto de Caracas, o líder do Democratas, Ronaldo Caiado (GO), disse que lhe causava estranheza o teor do relatório apresentado por Requião relatando normalidade na Venezuela.
“É com muita tristeza que eu vejo hoje alguns senadores colocarem aqui um relatório de apoio ao que está existindo na Venezuela, de uma maneira desrespeitosa aos senadores que foram lá agredidos, aos senadores que não tiveram como transitar mais do que um quilômetro fora do aeroporto, que ficaram retidos, em um processo de total agressão a todos aqueles que desejavam, sim, cobrar do governo que tivéssemos uma pauta para as eleições, como também que desse condições de dignidade ao Leopoldo López, que a cada momento corria risco de morte com mais de 30 dias em uma greve de fome”, reagiu Caiado.
Democracia e apoio às mulheres
O debate mais acirrado, entretanto, aconteceu entre os senadores da oposição e a senadora Vanessa Grazziottin.
De forma agressiva, ela acusou a primeira comissão oficial do Senado de ter ido a Venezuela de forma desorganizada, sem uma pauta previamente acertada com o governo de Maduro. Embora não tenham podido sair do aeroporto, a pauta da comissão de Aécio , acertada previamente pela embaixada do Brasil na Venezuela, previa os mesmos encontros com a oposição, e visita ao presídio de Ramo Verde, onde está Leopoldo López.
“Nós marcamos agenda, diferentemente da comitiva anterior, que não marcou agenda nenhuma; chegou em outro país e queria ir à prisão visitar alguém, sem sequer pedir permissão”, atacou a senadora do PCdoB.
Aécio então tentou apartear, para protestar: “Mas diga a verdade, Senadora! Diga a verdade!”
“Eu estou falando. Seja educado senador”, retrucou Vanessa.
Ela continuou argumentando que ninguém de qualquer país chega ao Brasil para visitar um prisioneiro sem que antes tenha autorização. Disse que tinham sido convidados por Lilian Tintori a visitar Leopoldo na cadeia, mas não aceitaram porque não era a agenda da comissão na Venezuela.
Momentos depois de pedir agilização na apreciação da PEC que define cota de mulheres na política no Brasil, Vanessa, em seu discurso, justificou a cassação do mandato da deputada Maria Corina na Venezuela.
“Ouvi aqui questionamento da falta de democracia na Venezuela, porque a deputada Corina não vai poder se candidatar às eleições parlamentares de dezembro. Veja, Sr. Presidente, no Brasil, quando algum parlamentar é cassado, ele se torna inelegível por oito anos”, justificou Vanessa.
“Mas ela foi cassada arbitrariamente!”, protestou Aloysio Nunes.
“Eu sou brasileira, senhor Presidente, eu não sou venezuelana! Eu respeito a democracia no país, em qualquer país do mundo e, principalmente, a autonomia e a amizade, a relação amistosa entre os países. Então, veja, aqui no Brasil, quando um Parlamentar é cassado, fica inelegível. Lá não pode; foi cassado, tem que ser candidato na próxima eleição”, satirizou Vanessa.
Aécio então apelou para que , como defensora das mulheres, Vanessa Grazziottin tivesse uma postura diferente em relação a deputada venezuelana impedida de participar das eleições.
“Como é que pode uma Senadora da República vir aqui dizer que isso é normal, assinar um relatório que diz que lá há plena liberdade, defender a cassação arbitrária, injustificável, da parlamentar mais votada da Venezuela? No mínimo, esperava-se aqui uma solidariedade de gênero, se não pode ser política”, criticou Aécio Neves.
Encerrando o bate-boca, o senador Aloysio Nunes discursou dizendo que existem correntes na política brasileira que consideram que a democracia “é um enfeite”, que pode ser descartado em nome de projetos pretensamente maiores, de transformação social. Mas, felizmente, fazem parte de uma pequena minoria.
“Existe essa concepção na política brasileira. E o PCdoB, partido da Senadora Vanessa Grazziotin, é um dos componentes dessa corrente. Um Partido que gosta, por exemplo, da Coreia do Norte, que considera que existe democracia na Venezuela. É uma corrente política que estimula, por exemplo, agressão física a pessoas como a blogueira Yoani Sánchez, que, quando esteve no Brasil para fazer uma palestra lá em São Paulo, foi impedida de falar por militantes do seu Partido, do PCdoB, brucutus, para impedir uma mulher de expor o seu ponto de vista”, contra-atacou Aloysio Nunes.
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