Curitiba – Existe um antigo provérbio turco que diz: "Quando o machado entrou na floresta, as árvores disseram: o cabo é dos nossos". A máxima não poderia estar mais distante do sentimento dos europeus em relação à possível entrada da Turquia na União Européia (UE). Os europeus vêm a Turquia com desconfiança. Afinal, quão europeu é o machado turco?

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Dois acontecimentos desta semana colocaram a questão em debate. Primeiro, a declaração do Papa Bento XVI sobre seu desejo de ver os turcos na UE, ao contrário do que defendia em 2004, quando ainda era prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. Em seguida, o parecer do comissário de expansão da União Européia, Olli Rehn, que recomendou a suspenção parcial das negociações mantidas com Ancara. O motivo oficial é a recusa das autoridades turcas em abrir os seus portos e aeroportos ao Chipre (o governo da Turquia quer o reconhecimento da parte norte do Chipre, composta por uma maioria de descendentes turcos – atualmente apenas o sul grego é reconhecido internacionalmente).

Formalmente, a candidatura turca foi aprovada pelos países da UE em 1999, mas não foram fixados prazos de integração. As negociações podem levar 5 ou 50 anos, dependendo do esforço político do governo turco e de como esse empenho é visto pelos atuais sócios do clube.

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Além da abertura comercial, uma série de outras questões, como liberdade religiosa, repeito aos direitos humanos e estabilidade político-econômica – todos particularmente difíceis para o país – fazem parte do "check-list" da UE para a aprovação de novos membros.

"Resta saber qual será a força política do governo turco e sua estabilidade política no processo de arrumação interna da Turquia. Sobre esses elementos básicos não se negocia", diz o coordenador do Núcleo de Estudos Europeus da Universidade Nacional de Brasília (UnB), Estevão Martins.

Conexão

No meio do caminho entre dois mundos, a Turquia é um elo importante na relação entre os países islâmicos e o Ocidente. Uma Turquia associada à União Européia poderá enviar, ao mundo e em especial à comunidade islâmica, a mensagem de que o choque de civilizações não é necessariamente inevitável.

De outro lado, negar o acesso do país ao grupo poderia ser a confirmação de que os muçulmanos não são bem-vindos na Europa e um convite para que os turcos tendam em favor dos árabes e persas. "(A entrada da Turquia na UE) seria uma demonstração da democratização que foi proposta pelo Tratado de Maastricht (1992). A Turquia se beneficiaria do mercado, das regras, do euro, mas não militarmente, porque o país já faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que é o sistema de defesa da Europa, orientado pelos EUA. Para a União Européia, a entrada interessa porque é uma ponte para a Ásia Central", afirma a professora de geopolítica do Curso Positivo, Luciana Worms.

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De acordo com uma pesquisa da Eurobarometer realizada entre março e maio desse ano, a opinião pública européia terá de ser convencida de que a entrada da Turquia será benéfica ao grupo. Entre os cidadãos dos 25 países membros, 48% são contra e 39% a favor. Dentro da própria Turquia, 54% da população prefere que o país faça parte do grupo. Outros 22% são contra. Nos dois casos, o restante dos entrevistados não soube opinar.

História

Na prática, a questão cultural dificulta a adesão da Turquia na UE. Para Martins, esse aspecto não deveria pesar tanto nas negociações. "Essa Europa que às vezes a gente pensa que tem uma cultura tão bonitinha, foi a maior inventora de guerras da história da humanidade: entre si e com o resto do planeta. Então, decisivo mesmo, é um contrato de união político-social que pode ser definido com muita negociação. A Suíça até hoje é uma ilha cercada de União Européia e ela não se julga nem mais nem menos européia por causa disso", afirma.