Os eleitores escolheram Alberto Fernández para ser o próximo presidente da Argentina, ao lado de Cristina Kirchner, sua vice na chapa do Frente de Todos. Com mais de 86% dos votos contabilizados, a imprensa argentina já considera Fernández o vencedor, com uma margem menor do que a esperada entre ele e o atual presidente Mauricio Macri, de 6,78%.
A eleição teve participação de mais de 80% dos eleitores. Com pouco mais de 86% dos votos apurados, Fernández aparece com 47,65%, enquanto Macri tem 40,87%. Para vencer em primeiro turno a eleição argentina, o candidato precisa de pelo menos 45% dos votos, ou obter ao menos 40% e uma vantagem de ao menos 10 pontos percentuais sobre o rival.
Mauricio Macri reconheceu às 22h25 deste domingo a vitória do peronista Alberto Fernández. "Falei com ele há pouco e o convidei para um café na Casa Rosada amanhã (segunda-feira)", afirmou Macri.
O Banco Central deve anunciar nesta segunda-feira, 28, medidas para endurecer o controle sobre o câmbio. A perspectiva de vitória peronista, numa chapa que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice, levou a uma desvalorização de 5% na moeda apenas na última semana. O convite para um encontro entre os dois diminui a tensão, após rumores de uma transição conturbada.
A chapa de Fernández-Kirchner derrotou Macri e seu companheiro de chapa Miguel Ángel Pichetto (um peronista de direita) nas primárias da Argentina em agosto, por 47,8% a 31,8%.
Macri assumiu a presidência em dezembro de 2015 prometendo reformas pró-mercado que segundo ele proporcionariam um crescimento econômico imediato e sólido por pelo menos 20 anos. Ao final de seu mandato de quatro anos, a pobreza aumentou cerca de 10 pontos percentuais, a inflação anual é superior a 50% e a dívida pública é igual a 100% do PIB, à beira da inadimplência.
Macri, que ocupou altos cargos em várias empresas antes de concorrer ao cargo, enfrenta acusações federais por supostamente ter tentado beneficiar as empresas de sua família. Ele negou irregularidades e culpa as acusações pela influência de Kirchner em juízes e promotores. Kirchner também nega irregularidades e culpa Macri pelos casos contra ela.
Cristina Kirchner sofre acusações de corrupção e é investigada por integrar uma rede de propinas pagas por empresários a integrantes do governo em troca de contratos de obras públicas.
A Argentina, um país de 44 milhões de habitantes, possui a terceira maior economia da América Latina, depois do Brasil e do México.
Kirchner, ex-presidente de dois mandatos e ex-primeira-dama, é o rosto atual do peronismo, a máquina política populista criada na década de 1940 por Juan e Eva Perón, que desde então volta ao poder periodicamente, com resultados variados. No segundo mandato de Kirchner, de 2011 a 2015, uma economia estagnada parou de gerar emprego, a inflação atingiu 25%, o déficit fiscal atingiu 5% e o país não tinha acesso a financiamento externo.
A eleição de Macri em 2015 foi amplamente vista como um marco para a Argentina e a América Latina: pela primeira vez, um candidato conservador que propôs a ortodoxia do mercado para garantir o "crescimento sustentável" derrotou uma coalizão liderada por peronistas que seguia políticas protecionistas, expandiu os gastos públicos e implementou uma ampla rede de assistência social.
A decisão incomum de Kirchner de candidatar-se à vice-presidência de Fernández foi vista por alguns como um reconhecimento de que, embora ela tenha uma base leal, ainda é profundamente odiada por muitos eleitores e tem um teto eleitoral baixo. Fernández, chefe de gabinete de seu falecido marido e antecessor na presidência Néstor Kirchner, deixou o governo alguns meses depois que Cristina Kirchner assumiu o cargo e se tornou um crítico dela na década seguinte.
Após a vitória de Fernández-Kirchner nas primárias em agosto, Macri anunciou cortes de impostos para a classe média, aumentos salariais, benefícios sociais e um congelamento dos preços dos combustíveis. Enquanto isso, o Fundo Monetário Internacional suspendeu a última parcela de um acordo recorde de US$ 57 bilhões que representa mais de 60% da carteira de crédito do FMI.
A Moody's prevê alta probabilidade de inadimplência da Argentina no próximo ano, mesmo se Macri fosse reeleito.
Macri conseguiu reduzir o déficit primário no ano passado, mas aumentou significativamente a carga do serviço da dívida, o que tornou o déficit fiscal semelhante ao deixado por Kirchner em 2015, segundo Carlos Melconián, chefe da consultoria Macroview.
A inflação atingiu 5,9% em setembro. Até o final do ano, a pobreza atingirá 40%, segundo o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica da Argentina. (A porcentagem não é comparável a outras na América Latina porque a linha de pobreza na Argentina é baseada em padrões mais altos.)
Os protestos gigantes contra medidas de austeridade no Chile e no Equador e o conflito eleitoral na Bolívia pesaram na opinião pública argentina nos dias que antecederam a votação. Mas enquanto o país está sofrendo uma recessão remanescente do colapso econômico na virada do século, a campanha prosseguiu com relativa calma. Macri e Fernández lideraram grandes comícios sem incidentes significativos.
"Manifestações em massa são algo comum na Argentina, mas o sistema de partidos políticos tem funcionado bem neste país há muitos anos, e isso proporciona certa estabilidade", disse María Esperanza Casullo, cientista política da Universidade do Rio Negro, na Patagônia.
Casullo disse - antes da divulgação dos resultados - que o próximo presidente corre o risco de ver seus índices de aprovação se deteriorarem rapidamente.
"A sociedade argentina é profundamente anti-hegemônica", disse ela. "Se as expectativas não são atendidas, as pessoas punem aqueles que não cumprem suas expectativas". Mas ela previu que os peronistas permaneceriam unidos "porque esses anos de Macri no cargo foram realmente dolorosos para eles".
Eduardo Fidanza, diretor da empresa de consultoria política Poliarquia, previu que os argentinos permitiriam que Fernández e Kirchner tivessem um período tranquilo.
O peronismo tem maiorias no Congresso, observou ele, e mantém vínculos com líderes sindicais, empresários industriais e a Igreja Católica.
Macri também prometeu fortalecer a democracia e a ética no governo. Casullo disse que era "ingênuo".
"A realidade provou ser mais difícil do que obter resultados magicamente apenas removendo os Kirchneritas", disse ela. "Macri confiou demais em slogans, subestimando o que reivindicações por um judiciário independente, uma imprensa plural e o respeito aos direitos humanos realmente representam para muitos argentinos".
Com informações do Washington Post e Estadão Conteúdo.