Três dias após as eleições nacionais e provinciais, com todos os votos apurados, o futuro político da África do Sul, pelo menos pelos próximos cinco anos, está traçado. Mais uma vez, pela quarta consecutiva, o partido que no passado lutou contra o apartheid (regime de segregação que separava negros e brancos dentro da sociedade) e que atualmente coleciona denúncias de corrupção foi o escolhido para governar o país encharcado de problemas como violência, Aids, desemprego e, é claro, corrupção. O ANC (Congresso Nacional Africano, da silga em inglês), e o agora presidente Jacob Gedlevihlekisa Zuma, de 67 anos, reuniram 65,9% dos votos.
Criado em 1912, o ANC tinha o objetivo de lutar pela opressão do governo branco. O movimento que reunia negros de todas as áreas cresceu até, no ano de 1920, ganhar características militantes e, em 1994, finalmente, chegar ao poder na África do Sul. A pressão internacional e a luta de grupos ativistas antiapartheid, especialmente, a luta do próprio ANC, colocaram fim ao regime no ano de 1990. A transição durou quatro anos quando, oficialmente, Nelson Mandela tornou-se presidente dando início a uma nova era para o país, governado até então pela população branca.
Na primeira eleição democrática, o partido de Mandela (como os sul-africanos costumam falar) venceu com 62,65%,, ou seja, 12.237.655 votos e 252 cadeiras no parlamento. Em 1999, no primeiro governo de Thabo Mbeki, o ANC ficou com 66,35% da preferência, 10.601.330 dos votos e 266 cadeiras. Na segunda fase do período Mbeki, o partido aumentou a sua força na Assembléia Nacional com 279 assentos, 69,69% e 10.880.915 dos votos. Duas décadas O partido que deu a liberdade à África do Sul rompendo com o passado racista completa 15 anos no poder. Os mandatos legitimados pelo povo e, especialmente, o que começa hoje, dão ao ANC mais cinco anos de confiança rumo às duas décadas de monopólio político no país.
Nas oito das nove províncias da África do Sul, o partido que não é mais do Mandela, mas sim do Zuma, foi maioria e por isso garante a soberania na administração nacional e nas provinciais, com exceção de Western Cape. Em Gauteng, por exemplo, capital administrativa do país onde ficam Petrória e Johanesburgo, o partido ficou com 64,7% dos votos, o DA (Aliança Democrática) com 21,27% e o COPE (Congresso do Povo) com 7,78%. Em Kwazulu-Natal, 62,9% dos votos foram para o ANC, seguido pelo IPL (Inkafa Partido da Liberdade) com 22,4%, do DA com 9,1% e do COPE com 1,29%.
Risco revolucionário
Enquanto grande parte da população de eleitores comemora a vitória do líder zulu, alguns temem o que pode ser feito à democracia sul-africana. Com vitória nessas eleições, o ANC fortifica o poder garantindo o reinado de duas décadas. Zuma estará, a princípio, até 2014 na presidência totalizando 20 anos de monopólio do partido. Segundo o advogado Paul Hofman, que trabalhou na investigação do acordo de armas (no qual Zuma foi um dos principais beneficiados com subornos), o maior problema do ANC no poder não é a corrupção, mas o que o próximo presidente pode fazer com a Constituição.
"Sabemos que Jacob Zuma aponta os juízes, controla todos. A Constituição é suprema. O centro do poder é a Constituição e, para mim, o maior perigo no momento é de o Zuma e o ANC, com a maioria das cadeiras, provocarem uma revolução na política", teme o advogado, lembrando que Zuma foi absolvido de todos os processos.
No início do mês, Zuma declarou em entrevista ao jornal "Mercury" que pretende rever o status do Tribunal Constitucional porque os juízes eram bem capazes de cometer erros. Essas e outras declarações assustam Hoffman. Fazendo uma comparação com o passado e com o que pode acontecer em um futuro próximo, o advogado diz que, na administração, o pior de Mbeki era centralizar o poder nas mãos de poucos e que, com Zuma, pode ser bem pior. "Ele pode quebrar a democracia", fala. Segundo o advogado, Zuma não será um simples líder. O carisma e a força dele dentro da cultura pode ser uma combinação perigosa. "Acredito que ele não é a pessoa ideal para ser o presidente", completa.Preocupação também expõe a prefeita da Cidade do Cabo Helen Zille e líder do DA, que nesta eleição, ficou com 16,66% dos votos. Há tempos, Zille afirma publicamente que teme o controle cada vez mais centralizado do ANC.
Os líderes do partido (agora do Zuma), em grande parte, são businessmen espalhados por importantes companhias do país. Desta forma, eles mantêm o controle da política e da economia com eles. "O problema não é só uma nova classe que surge, uma elite negra com dinheiro, mas sim, uma classe que vai monopolizar o poder", respondeu a prefeita da Cidade do Cabo quando, ainda em 2007, perguntada em um debate o porquê de tanto barulho quando se fala em BEE (Black Economic Empowerment). A briga dela contra o BEE permanece e é uma das questões sempre abordada pela imprensa.