Madri - A Espanha enfrenta uma crise social sem precedentes na "era do euro". Desde o dia 15 de maio, milhares de pessoas organizadas em grandes manifestações lotam as praças públicas de todo o país. As paredes em torno da Praça Porta do Sol (ou Puerta del Sol, em espanhol), em Madri, foram tomadas por cartazes que pedem uma revolução democrática. Faixas trazem apelos como "Deixem a minha aposentadoria em paz" e "Violência é ter duas faculdades, um mestrado e ganhar 600 euros. Sem contrato".
Revoltados com a crescente taxa de desemprego, que afeta principalmente os jovens, os espanhóis aproveitaram as eleições locais de 22 de maio e se organizaram para sair às ruas e mostrar sua insatisfação. "Não votem neles", "Eles não nos representam" e "Meu salário não é digno" são alguns dos principais motes dos manifestantes, que exigem mudanças e uma democracia mais participativa.
Em um país profundamente arraigado por uma política bipartidária, claramente dividida entre direita e esquerda, a população que enfrenta uma taxa de desemprego superior a 20% se mobilizou por meio da internet para sair às ruas e pedir à sociedade que não votasse nem no Partido Popular (PP), nem no Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que controlam o país.
"Não votem neles"
Os blogueiros e tuiteiros mais influentes do país lançaram essa fagulha, que unida ao momento econômico do país, aos recortes sociais cada vez mais comuns no governo socialista de José Luiz Rodriguez Zapatero e a falta de propostas da direita, uniu a força virtual de "Não votem neles" com os grupos "Juventude sem Futuro" e "Real Democracia Já".
Juntos, esses movimentos apartidários trabalharam durante dois meses para organizar a manifestação do dia 15 de maio, batizada de 15M pelos meios de comunicação espanhóis, com o lema "Dominem as Ruas".
A manifestação mobilizou milhares de pessoas em Madri e em outras 50 cidades espanholas, reunindo empresários, aposentados, professores universitários, estudantes e desempregados. A idade dos manifestantes está em torno de 30 a 40 anos, ainda considerados jovens para os padrões europeus. Esse grupo encontra muitas dificuldades para entrar no mercado laboral e prefere atrasar a saída das universidades para evitar a realidade do mercado.
Enrique Dans, professor do MBA do Instituto de Empresas em Madri e um dos blogueiros mais lidos e influentes do país, foi um dos organizadores do movimento "Não votem neles": "Na primeira manifestação reunimos milhares de pessoas de maneira totalmente organizada e pacífica. Encontrei empresários, professores do Instituto de Empresas e ex-alunos, gente de todas as idades durante a passeata", conta.
A maior concentração na Porta do Sol ocorreu na sexta-feira que antecedeu as eleições do dia 22 de maio. Foram 28 mil cidadãos desafiando a "jornada de reflexão", que dura as 24 horas que antecedem às eleições e proíbe atos eleitorais. Apesar da proibição, a polícia não interferiu.
A vitória do Partido Popular nas urnas refletiu a insatisfação popular com o PSOE, que governa o país, mas não acabou com o movimento. Mesmo depois das eleições, os manifestantes não abandonaram o acampamento. Um dos porta-vozes do movimento, que prefere não se identificar, disse que eles não têm previsão de voltar às suas casas. "Estamos aqui reunidos em assembleias, buscando uma saída social à crise e debatendo temas importantes. Somos organizados pelas nossas próprias comissões e não temos data para terminar."
Os próximos passos dos acampados na Porta do Sol são replicar os modelos de assembleias e grupos de discussão em cada bairro da cidade de Madri.
Onda de protestos
Outras cidades europeias começaram a se movimentar em pequenas ou médias mobilizações pacíficas, pedindo mudanças democráticas em seus países. Itália, Grécia e Portugal são os principais exemplos. Todo o fluxo de informação entre esses grupos se dá por meio das redes sociais, de maneira aberta, principalmente no Twitter e em blogs.