O recente levante popular na Tunísia e as atuais manifestações no Egito retratam a insatisfação dos povos árabes em relação aos governos ditatoriais, "corruptos" e "arrogantes". Essa afirmação é fruto da observação de analistas internacionais, que veem nos protestos que abalam os países árabes a verdadeira expressão de revolta de populações cansadas de um modelo que combina da pior forma possível a abertura selvagem dos mercados econômicos com o clássico despotismo medieval comum mesmo aos tiranos deste século.
Para Bourhane Ghalioune, diretor do Centro de Estudos Árabes da Sorbonne de Paris, as causas dos protestos têm relação direta com uma "elite corrupta, apoiada pelos países ocidentais". "Seu único estímulo é a acumulação de riquezas, enquanto seus predecessores exibiam uma vontade de mudar a vida dos mais pobres", explicou Ghalioune à Agência France Presse (AFP).
"As regiões do Oriente Médio e do norte da África são as mais repressoras do mundo, onde 16 de 20 países podem ser classificados como autoritários", declarou Ghalioune, referindo-se às categorias estabelecidas pela Economist Intelligence Unit (EIU). Iraque, Líbano, a Autoridade Palestina e Israel são considerados "regimes híbridos", e todos os demais são catalogados como autoritários.
Tirania
Ghassan Salamé, professor de Ciências Políticas em Paris, acredita que o mundo árabe esteja familiarizado com a tirania de seus governantes, desde a época de descolonização. Logo, a revolta nasceu da rejeição a uma minoria que enriquece enquanto a maioria vive sob extrema pobreza.
Opinião similar tem o especialista brasileiro Pedro Paulo Funari, coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para Funari, apesar de outras nações também possuírem governos ditatoriais ou regimes políticos autoritários, como no caso da China, é a possibilidade ou não de ascensão social que mantém o relativo clima de paz no país. E é justamente essa imobilidade, essa impossibilidade de melhora, que inflamou os ânimos na Tunísia, no Egito e nos demais países árabes que deram sinais de insurgência nas últimas semanas.
"As sociedades árabes estavam a ponto de explodir há anos. Que a faísca tenha saltado na Tunísia e o fogo tenha se espalhado pelo Egito foi uma coisa do acaso", argumenta Paul Salem, diretor do Centro Carnegie para o Oriente Médio.
Mas o fato de as manifestações terem se espalhado também para o Egito, faz com que as nações ocidentais como os Estados Unidos e demais potências econômicas passem a olhar com mais atenção para o que ocorre na região dos conflitos. "O Egito é muito importante, pois é tido como um líder árabe na região, isso desde o período turco. Logo, o que vai acontecer com o Egito é de interesse de toda a comunidade internacional. Se o Egito for numa direção militar é uma coisa; se for no caminho da constituição de um Estado islâmico, é outra", avalia Funari.
Possibilidades
O quadro de instabilidade política no Egito deve perdurar enquanto existirem protestos ou enquanto o presidente Hosni Mubarak se mantiver no poder. "Por isso é difícil dizer o que vai acontecer. Mubarak aposta que, com o passar dos dias, os manifestantes se desmobilizem. Se ele estiver correto, é possível que com menos pressão ele consiga se manter no poder, pelo menos até o fim de seu mandato. Mas se os manifestantes conseguirem manter os protestos e continuarem com as mobilizações, é provável que ele tenha que renunciar", explica Pedro Paulo Funari.
Apesar das possibilidades ainda abertas, Funari não acredita que o atual presidente tenha condições de se manter no poder a longo prazo.
"Na minha opinião, Mubarak está com os dias contados", afirma. "Independente do desfecho a curto prazo, a única coisa certa é a saída de Mubarak a médio prazo", complementa.
Segundo Funari, caso ele saia antes do fim do seu mandato, já há um plano pronto: em seu lugar assumiria o vice-presidente Omar Suleiman, um militar escalado pelo próprio Mubarak após o início das rebeliões. Os militares do país, ao contrário de Mubarak, são bem vistos pela população egípcia e também por governos de outros países, como os EUA. O plano de Mubarak que não tinha um vice-presidente desde que se instalou no poder em 1981 é passar o governo para Suleiman, garantindo assim sua própria segurança.