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Em 5 de setembro de 1972, as feridas da Segunda Guerra Mundial ainda cicatrizavam numa traumatizada Alemanha Ocidental. Não houve à época alguém que pudesse supor a existência de um plano de ataque àquele país, muito menos uma conspiração de origem palestina. Munique não era alvo e transformou-se no palco da maior tragédia da História dos Jogos Olímpicos. A ação terrorista do Setembro Negro matou 11 integrantes da delegação de Israel.

Respeitadas as diferenças históricas e a própria natureza do terrorismo do século XXI, sem pátria ou limites doutrinários, o Brasil emerge para a Rio-2016 em situação semelhante: seja na inteligência brasileira ou nos serviços estrangeiros em regime de cooperação, não há um agente que veja o país como alvo. Todos compreendem, porém, que o palco estará montado aqui para investidas do Estado Islâmico contra seus inimigos ocidentais, que estarão no Rio não apenas para competir. Virão para vencer e brilhar.

Nenhum país que se habilite a sediar os Jogos Olímpicos pode ficar alheio a este tema. Precisamos mobilizar desde a segurança pública, que será orientada a manter distância do telefone celular enquanto estiver em vigilância, até o contingente de 70 mil voluntários, que deve receber algum tipo de treinamento para detectar movimentos suspeitos — afirma o diretor de Inteligência da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (Sesge), William Murad, que prevê um investimento de R$ 40 milhões apenas em capacitação da força e trabalha com a perspectiva de reforço no contingente sigiloso de agentes de Inteligência espalhados nas ruas do Rio.

Caça aos ‘lobos solitários’

O cenário de alerta, ampliado pelos ataques a Paris, basta para que o histórico de conciliação, sedimentado há décadas pela diplomacia e que faz o brasileiro se sentir imune ao terrorismo, fique em segundo plano durante longos 20 dias. Será o teste máximo do sistema de prevenção ao terrorismo, que passou no vestibular da Copa do Mundo e cujo pilar é a integração com os serviços estrangeiros. Em especial, com o americano. Na mira do sistema de proteção estão as chamadas células inativas.

O terror na França levou o governo brasileiro a intensificar a vigilância e o monitoramento de brasileiros com potencial de fornecer abrigo ou apoio logístico para grupos terroristas. São moradores do Rio, São Paulo e de outros estados que os setores de inteligência tratam como “lobos solitários”. Ainda que atuando sozinhos, teriam potencial para realizar ações terroristas, mesmo sem estarem formalmente ligados a uma célula terrorista.

O Brasil não tem célula terrorista atuando e não é um alvo. Mas pode ser, sim, usado como palco de um atentado. E, para isso, grupos de terroristas podem usar uma logística existente no país, buscando pessoas simpáticas, os “lobos solitários”. Gente com perfil que pode facilitar o trabalho, gerar uma logística — afirmou uma pessoa envolvida na segurança do evento.

Maior evento esportivo do planeta, os Jogos Olímpicos do ano que vem irão mobilizar cerca de 10 mil atletas de 206 países, devendo atrair milhões de turistas ao Brasil. A previsão dos organizadores é de o Rio receber, somente na cerimônia de abertura, cerca de cem chefes de Estado e de governo. O valor estimado apenas com o trabalho de inteligência e monitoramento é de R$ 230 milhões.

Orientados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), os responsáveis pela segurança já estão analisando o perfil de todos que trabalharão dentro de instalações olímpicas, nos hotéis que hospedarão delegações e até dos voluntários dos jogos. Nos próximos dias, começa uma campanha para sensibilizar o cidadão comum para identificar possíveis ameaças.

Vamos treinar funcionários de hotéis, de aeroportos e até taxistas para que essas pessoas possam ser capazes de identificar possíveis ameaças — contou o mesmo agente de segurança.

Uma anomalia. Sem obediência a valores éticos e morais. Assim o especialista em contraterrorismo e autor de três livros sobre o tema, André Luís Woloszyn, descreve o Estado Islâmico, a ameaça da vez. Para ele, o grande trunfo da organização para atacar o Brasil é a incapacidade de monitoramento da movimentação de pessoas pelo território brasileiro, em especial do fluxo migratório, por exemplo, de haitianos.

“Não se sabe quem são e onde estão (os imigrantes). E a estratégia dos terroristas, muito bem pensada no caso de Paris, foi o recrutamento de ocidentais. Não precisa muito. De 100 mil imigrantes, 1% infiltrado basta para tramar uma ação. Nós estamos longe do teatro de operações, mas nunca podemos descartar uma hipótese”, avaliou Woloszyn.

O historiador Virgílio Arraes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), percebe um ambiente de medo e apreensão semelhante aos dias que sucederam o 11 de setembro de 2001. Por isso, avalia, o tamanho do risco de ataques ao Brasil poderá ser efetivamente medido a partir dos desdobramentos da reação da França e seus aliados ao ataque coordenado no coração de Paris.

“Tudo vai depender se haverá ou não uma espiral dessa violência. E se a reação poderá sufocar o Estado Islâmico. É isso que a sociedade internacional aguarda. O Brasil não está envolvido diretamente, mas vai sediar o evento esportivo mais importante do mundo. Passa a ter que se adequar às normas de segurança que são adotadas pelos países considerados grandes potências e que têm interesse direto na prevenção ao terrorismo”, explicou Arraes.

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