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Um grupo de migrantes centro-americanos tenta cruzar o Rio Grande para chegar em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
Um grupo de migrantes centro-americanos tenta cruzar o Rio Grande para chegar em Eagle Pass, Texas, 24 de maio| Foto: Ilana Panich-Linsman / The New York Times

A migrante de 19 anos, grávida, foi caminhando com dificuldade para a orla norte-americana, em um trecho meio fundo do Rio Grande, com a água batendo contra sua cintura. Seguindo contra a correnteza, de olho no jacaré postado acima de onde se encontrava, guiou o filho de dez anos de uma amiga, que chorava muito, na direção do barco de resgate da Patrulha de Fronteira.

Enquanto a embarcação levava os dois na última etapa da viagem que começou em Honduras, rumo aos EUA, a jovem olhou para trás e acenou para o grupo de mexicanos que estava na margem comemorando seu resgate.

No dia anterior, os agentes tinham encontrado aqui em Eagle Pass, no sul do estado do Texas, o corpo de um homem em estado adiantado de decomposição, o que certamente dificultaria sua identificação; dias antes, o vídeo de outro, que tentava desesperadamente nadar contra a correnteza antes de se curvar na água e afundar, circulara na imprensa mexicana.

No início de maio, os patrulheiros tiraram o corpo de um bebê de dez meses do Rio Grande, depois que um barco que levava nove migrantes virou. Só cinco sobreviveram.

"Os momentos mais tristes são as mortes e, infelizmente, temos visto várias. As mais chocantes são as mais recentes, de crianças pequenas. Quando você se depara com um pequeno e percebe que ele está morrendo, é difícil não pensar nos filhos da gente", confessa Bryan Kemmett, oficial responsável por Eagle Pass, cidadezinha de 29 mil habitantes a cerca de uma hora de Del Rio.

Há anos os migrantes atravessam o Rio Grande em jangadas improvisadas para entrar ilegalmente nos EUA – mas, com o aumento no número de famílias centro-americanas, a Patrulha da Fronteira agora tem de tirar dezenas de migrantes, inclusive crianças pequenas, da forte correnteza quase todo dia.

E as repetidas ameaças e tentativas do presidente Trump de limitar a imigração não intimidam os estrangeiros: em maio, o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras deteve mais de 144 mil pessoas, recorde mensal dos últimos treze anos.

Nem a separação forçada de filhos e pais, a obrigação dos requerentes de asilo de esperar no México a convocação pelo tribunal e a detenção de adolescentes em acampamentos comparados a presídios juvenis conseguiram diminuir o fluxo da imigração.

Até agora, no ano fiscal de 2019, que começou em 1º de outubro, os agentes da Patrulha já resgataram pelo menos 315 migrantes em um trecho de 335 quilômetros do Rio Grande; no ano anterior, foram apenas doze.

Entrada arriscada

O "The New York Times" entrevistou vários estrangeiros em Eagle Pass, no fim de maio, e todos disseram que estavam bem cientes dos riscos, mas que foram convencidos pelos traficantes humanos e outros migrantes que a travessia do rio, que leva entre cinco e dez minutos, era o jeito mais rápido e menos complicado de iniciar o processo de requisição de asilo, uma vez que o governo Trump está restringindo cada vez mais os portos legais de entrada.

"Todo mundo atravessa o rio", diz Yevy Leiva, de 28 anos, que tinha conseguido a façanha, em uma jangada, com o filho e outros dois conterrâneos. Nove dias depois, ele esperava, em um abrigo lotado em Del Rio, para pegar o ônibus que o levaria para Dallas, onde ficaria com amigos.

Somente os migrantes que estão passando grandes dificuldades ou viajando com crianças são resgatados pela Patrulha da Fronteira. É verdade que, das ocorrências de morte entre aqueles que tentam entrar nos EUA ilegalmente – por desidratação e outros perigos no deserto –, a grande maioria acontece em terra, embora os episódios fatais no Rio Grande estejam aumentando em uma proporção alarmante.

Nos últimos dois anos fiscais, pelo menos onze pessoas se afogaram no trecho de Del Rio; só para comparar, os patrulheiros retiraram os restos mortais de quatro pessoas do rio entre 2015 e 2017.

  • Ángel Gabriel e sua família após serem resgatados do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio. Gabriel disse que eles deixaram Honduras após ter sido atacado depois de vencer na justiça em um caso em que acusava a polícia de abuso de poder
  • Grupo de migrantes centro-americanos é resgatado do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Um grupo de migrantes centro-americanos tenta cruzar o Rio Grande para chegar em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Mulheres e crianças, migrantes da América Central, esperam ser processadas por agentes da Patrulha da Fronteira no lado americano do Rio Grande, em Eagle Pass, 24 de maio
  • Grupo de migrantes centro-americanos é resgatado do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Um jacaré, um dos muitos perigos do Rio Grande, em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Bryan Kemmett, agente da Patrulha da Fronteira, segura uma camiseta de criança nas margens do Rio Grande em Eagle Pass, Texas, 23 de maio. Vários jovens e crianças morreram em grupos que tentavam cruzar o rio em jangadas. Os agentes estão sendo chamados cada vez mais para resgatar pessoas no rio. "Você pensa em suas crianças", disse Kemmett
  • Yevy Leiva, que atravessou o Rio Grande em uma jangada com o seu filho e outros migrantes, em um abrigo em Del Rio, Texas, 23 de maio
  • Pessoas no abrigo da Coalizão Humanitária da Fronteira Val Verde em Del Rio, Texas, 23 de maio
  • Ángel Gabriel e sua família são resgatados do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Uma menina de 8 anos é trazida para a margem durante resgate de uma família de migrantes hondurenhos do Rio GRande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Grupo de migrantes centro-americanos é resgatado do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio
  • Grupo de migrantes centro-americanos é resgatado do Rio Grande por agentes da Patrulha da Fronteira em Eagle Pass, Texas, 24 de maio

Randy Davis, vice-chefe interino da Patrulha de Fronteira responsável pelo setor fluvial, conta que seus agentes ainda estavam dando busca por dois corpos, resultado do episódio fatal do início de maio. E culpa os traficantes humanos, ou "coiotes", pelo grande fluxo de migrantes, já que estão explorando cada vez mais a região, considerada um portal comparativamente inexplorado de entrada nos EUA.

Desde 1º de outubro, os agentes prenderam ali quase 18 mil familiares de migrantes; nos primeiros oito meses do ano fiscal de 2018, foram 1.387. E também resgataram quase três vezes mais estrangeiros na água do que os colegas em outros trechos ao longo da fronteira com o México em conjunto.

A Patrulha já divulgou alertas no México sobre os perigos de atravessar o Rio Grande, e Kemmett diz que pede aos estrangeiros dispostos a tentar que pelo menos usem um colete salva-vidas. "O nível subiu mais de um metro por causa da abertura das comportas de uma hidrelétrica próxima e do excesso de chuvas", explica.

Embora seja raso em algumas áreas, em outras há caídas repentinas de mais de 2,5 metros. Há destroços que literalmente ricocheteiam do leito, e as margens estão entupidas de boias infláveis e aquatubos de isopor, usados pelos migrantes para boiar. Os níveis devem subir novamente com a chegada do verão e as descargas da represa para a irrigação agrícola no entorno de Eagle Pass e para oferecer eletricidade ao município.

Correnteza e jacarés

Como que ressaltando os perigos para os migrantes, um jacaré se escondia em meio ao mato alto do rio, no mês passado, flutuando em um nível que exibia apenas as pontas ao longo do dorso.

"Já não basta ter de enfrentar a correnteza e o próprio rio; agora, os jacarés também. Eles não sabem a diferença entre uma criança e uma galinha ou qualquer outro animal", afirma Kemmett, patrulheiro fronteiriço com 24 anos de experiência.

Depois que atravessam o rio e chegam a solo norte-americano, os migrantes são levados, sob custódia da Patrulha, e registrados nos centros que foram montados para comportá-los antes de serem deportados.

O problema é que o volume de estrangeiros – muitos dos quais querem asilo e estão viajando com crianças que, segundo a lei norte-americana, não podem ser detidas mais do que vinte dias – criou um gargalo absurdo no processamento dos casos e, com isso, abarrotou os núcleos de processamento.

O resultado é que praticamente todos os migrantes que entraram nos EUA de forma irregular recebem a instrução de comparecer ao tribunal em uma data posterior e são soltos. Dali, obviamente saem à procura de parentes ou algum lugar para ficar enquanto aguardam o trâmite burocrático.

"A maioria dos estrangeiros que nós, da Patrulha, pegamos vem para os EUA para fugir da pobreza na terra natal; pouquíssimos dão a impressão de ser os criminosos contra quem Trump nos alertou durante a campanha", concede Kemmett.

Os agentes em Del Rio confirmam que não há sinais de que o aumento no número de chegadas de famílias inteiras vá cair; de fato, Kemmett admite que seus agentes estão ficando "cansados do combate" – e confessa não entender por que os migrantes, sabendo dos inúmeros perigos da viagem aos EUA, arriscam a vida dos filhos conscientemente.

Acontece que, ainda que paradoxalmente, para muitos é a única maneira de protegê-los. Horas antes, a hondurenha grávida dera os primeiros passos em solo norte-americano. Na verdade, por um momento pensara em reconsiderar a travessia, depois de ver as fotos dos jacarés no Facebook, no dia anterior. Ao virar a cabeça, porém, revelou um maxilar machucado, evidência do que ela garante ter sido um caso de violência doméstica.

A jovem, que disse que deveria dar à luz em uma semana, foi resgatada pelos agentes antes de dar seu nome, mas antes disso contou que pretendia requisitar asilo nos EUA e esperava poder criar o filho ali e lhe dar uma boa vida.

"Minha vida estava em risco quando vivia com meu companheiro. Nada disto aqui chega perto do perigo que eu corria", diz ela, olhando para o rio.

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