Quase diariamente aeronaves e navios gregos e turcos travam batalhas simuladas sobre os direitos de exploração de petróleo e gás no Mediterrâneo Oriental.
Desde a perda de grande parte dos Bálcãs cristãos para os otomanos no século XV, a Grécia e o que mais tarde se tornaria a Turquia moderna têm sido rivais, inimigos diretos e, muitas vezes, estiveram em guerra.
A adesão mútua à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e os medos compartilhados da Guerra Fria da Rússia Soviética não impediram os dois de quase irem à guerra após a invasão turca do Chipre em 1974.
Ainda assim, a escalada atual parece estranha. A maioria das reivindicações territoriais e disputas por fronteiras foram resolvidas há quase um século, e os dois países tiveram intercâmbios populacionais em massa.
Por que, então, a divisão ainda é tão profunda?
A Turquia é um país muçulmano e já foi o Império Otomano que governou grande parte do mundo islâmico. A Grécia ainda está cercada por países muçulmanos.
Os turcos são rápidos em lembrar a todos que, do final do século XV ao início do século XIX, a maior parte da Grécia e das ilhas do Egeu pertenciam ao Império Otomano.
Os gregos observam que Istambul, anteriormente Constantinopla, foi a capital da cristandade por 1.000 anos e o centro do vasto Império Bizantino, onde o grego era amplamente falado.
Nos tempos modernos, após a amargura com a crise de Chipre de 1974 e anos de governos socialistas, a Grécia era veementemente anti-americana, apesar das tradições ocidentais compartilhadas.
Em contraste, a Turquia já se orgulhava de seus costumes seculares institucionalizados por seu primeiro presidente moderno e pró-Ocidente, Mustafa Kemal Atatürk. Seus sucessores até recentemente eram autocratas pró-americanos.
Agora, as relações geoestratégicas mudaram. Ambas as nações permanecem membros da Otan, mas é a Grécia – e não a Turquia – que tornou-se membro da União Europeia. O norte do Chipre, comandado pelos turcos, é amplamente considerado um território rebelde, enquanto o democrático Chipre grego é membro da UE.
Além disso, a Turquia sob o presidente Recep Tayyip Erdoğan tem se tornado um Estado cada vez mais islâmico, muitas vezes hostil aos EUA. O país gosta de alavancar sua adesão à Otan para fazer avançar suas novas agendas no Oriente Médio.
É a Turquia, e não a Grécia, que tem agido de forma provocativa no cenário mundial. Recentemente, remodelou a icônica catedral de Hagia Sophia, construída pelo imperador bizantino Justiniano no século VI e que já foi considerada uma das igrejas mais icônicas do mundo cristão, de museu a mesquita.
A Turquia está frequentemente envolvida com a Rússia de Vladimir Putin e com a teocracia iraniana em intrigas do Oriente Médio. Opõe-se aos esforços franceses para acalmar a Líbia.
A Turquia comprometeu os sistemas de armas da Otan graças às suas novas relações de armas com a Rússia.
A Turquia tem mais probabilidade do que a Grécia de ameaçar usar a força para fazer avançar suas reivindicações sobre o petróleo e o gás. E sugere que dezenas de ilhas gregas na costa turca - gregas desde a pré-antiguidade - podem, em breve, ser visadas. A maioria dos diplomatas neutros e acadêmicos jurídicos dizem que a Grécia tem a reivindicação legal mais sólida sobre as disputadas águas ricas em petróleo.
Hoje, a antiga rivalidade pode parecer desproporcional.
A Grécia é um pequeno país com menos de 11 milhões de habitantes. A Turquia é um país com cerca de 82 milhões de habitantes e tem muito mais caças do que a Grécia, além de um exército muito maior.
No entanto, segundo muitos relatos, os pilotos gregos estão entre os melhores do mundo. A marinha menor da Grécia é muito mais eficaz do que a da Turquia.
E embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha estado em contato com Erdoğan, seu governo também está entre os mais pró-gregos em anos, firmando uma série de pactos militares e de armas. Apesar de toda a conversa sobre a retirada de tropas americana, a Sexta Frota continua a ser a mais poderosa do Mediterrâneo.
As políticas anteriores do governo Obama – inclinar-se para a Turquia, "convidar" Putin para a guerra da Síria, favorecer o Irã no Oriente Médio – apenas turvaram as águas do Mediterrâneo.
A maioria dos americanos simpatiza com a oprimida Grécia. Muitos têm laços culturais e étnicos estreitos com Grécia, Israel e Armênia, países não muçulmanos cercados por nações islâmicas. Todas as três nações, em um momento ou outro, foram intimidadas pela Turquia.
A maioria dos membros da Otan, especialmente a França, também favorece a Grécia. Tradicionalmente, a Alemanha pró-turca tentou ponderar - mas sem sucesso. O governo da chanceler alemã Angela Merkel agora é mais hostil ao governo Trump do que à Rússia de Putin, seu novo parceiro em um grande negócio de gás natural. Merkel provocou uma enxurrada de milhões de migrantes africanos e asiáticos na Turquia e na Grécia, prometendo-lhes refúgio e anistia no norte da Europa. Os enormes campos de refugiados aumentaram as tensões ao longo da fronteira entre a Grécia e a Turquia.
O paranoico governo turco está agora destroçado por fissuras após um golpe fracassado em 2016. A Grécia é uma democracia europeia estável.
Some todas as rivalidades distorcidas, histórias e alianças e lealdades sobrepostas, e a disputa pode parecer irracional, se não boba. Provavelmente só terminaria em um impasse, uma catástrofe econômica, a quase destruição do flanco sul da Otan e a eventual intercessão dos EUA para alertar a Turquia a cessar a agressão.
Mas a razão raramente impediu a eclosão da guerra - matéria de paixões antigas, história amarga e frenesi étnico e religioso.
*Victor Davis Hanson é historiador na Hoover Institution, da Universidade de Stanford, e autor de "The Second World Wars: How the First Global Conflict Was Fought and Won"(As segundas guerras mundiais: como o primeiro conflito global foi travado e vencido).
© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.