• Carregando...

Depois de quase uma década de negociação, a Romênia e a Bulgária passarão a integrar a União Européia (UE) a partir de 1° de janeiro. A chegada dos novos sócios, entretanto, permanece cercada de reticências. Os dois países entram para o bloco carregando o estigma de serem pobres, com dilemas na esfera dos direitos humanos e com problemas de corrupção.

Essa percepção negativa se reflete no tratamento concedido à Romênia e à Bulgária. Diferentemente da admissão dos outros membros, dessa vez a Comissão Européia foi mais rigorosa na imposição de um conjunto de restrições e cláusulas que condicionam a manutenção desses países no seleto clube europeu.

"Não foram criadas novas regras para a entrada desses países, mas de fato houve um clima negativo e de ceticismo em torno da admissão da Romênia e da Bulgária. A conseqüência é que a Comissão Européia foi mais exigente em relação ao cumprimento de critérios que já existiam", explica ao G1 Robert Chaouad, professor da Universidade Paris 8 e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, sediado em Paris.

Sob uma ótica geopolítica, o alargamento das fronteiras da UE aumenta o espaço de paz dentro da Europa. Uma integração bem sucedida da Romênia e da Bulgária pode inclusive ter uma influência no apaziguamento da tensão nos Bálcãs.

No final dos anos 90, no auge das mudanças ocasionadas pela implosão da União Soviética, havia uma grande euforia com a expansão do bloco para o leste. Hoje, porém, a adesão de mais dois países acontece em um momento em que os membros da UE se questionam sobre as engrenagens de funcionamento da instituição e sobre a capacidade de continuar a incorporar novos membros.

"Será que avançamos rápido demais? Será que precisamos fazer uma pausa?", questiona Chaouad. "Ainda não temos essas respostas", completa. A implementação de uma constituição européia não dá sinais de avanço e atingir o consenso com 27 países de perfis e interesses distintos é uma tarefa cada vez mais difícil. Também a partir de 1° de janeiro a Alemanha passa a presidir o bloco. A expectativa é que sob o mandato alemão haja avanços nas reformas institucionais necessárias para fazer caminhar a UE. Europeus de "segunda classe"? A questão da abertura do mercado de trabalho europeu aos cidadãos búlgaros e romenos também acentua um certo sentimento de "europeus de segunda classe". Há um forte contingente de trabalhadores com baixa qualificação. As economias dos dois países, ainda que com taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em torno de 6%, está longe dos padrões dos demais perceiros do bloco.

A questão da integração de minorias também é outra preocupação. Depois da queda do comunismo, os imigrantes romenos, muitos de origem cigana, privilegiaram a Itália -estima-se que haja 175 mil em situação legal. No caso dos búlgaros, o destino predileto foi a Grécia.

Os ciganos já são alvo de forte preconceito nos países onde estão mais fortemente concentrados, justamente a Romênia e a Bulgária. Estima-se que haja 3 milhões de ciganos vivendo nesses países. Dentro desse grupo, as taxas de analfabetismo e o índice de mortalidade infantil são comparáveis a índices de países africanos. "Por isso somos mais vulneráveis. Com um nível de educação mais baixo, estamos mais sujeitos à discriminação e a empregos em condiçoes ilegais", disse ao G1 Ivan Veselý, presidente da associação Dzeno, entidade que defende os direitos do povo cigano.

Esse tema inquieta muitos dos atuais integrantes da UE que se mostram pouco afeitos à idéia de abertura total das fronteiras.

Para os sócios ricos, como a Inglaterra, esse contingente de mão-de-obra pode ser um fator que inchará a bolha de trabalhadores imigrantes no país. O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, já anunciou a imposição de fortes restrições à entrada de candidatos a emprego oriundos da Romênia e da Bulgária. Na onda de adesão de dez novos países à UE, em 2004, cerca de 400 mil imigrantes do Leste Europeu se instalaram na Grã-Bretanha. As autoridades locais esperavam no máximo 13 mil. Se não forem criadas barreiras aos novos sócios, as autoridades britânicas temem a chegada de 60 mil a 140 mil novos trabalhadores estrangeiros. A Bélgica também está bastante reticente com a vinda dos novos trabalhadores.

Para os pares do Leste Europeu, como poloneses, a incorporação de búlgaros e romenos pode causar um inquietante acirramento da competição por emprego em setores de mão-de-obra menos qualificada: a construção civil, por exemplo.

A França, cuja opinião pública é cada vez menos favorável à expansão das fronteiras da UE, fez um gesto de acolhimento aos "novos europeus". Catherine Colonna, ministra francesa encarregada de negócios europeus, anunciou em viagem recente à Bulgária que o país vai abrir as portas, a partir de 1° de janeiro, aos trabalhadores búlgaros e romenos sob as mesmas condições oferecidas a oito países do Leste Europeu em maio deste ano. Na prática, essa política significará que cerca de 60 segmentos profissionais em 7 setores da economia -construção civil, hotelaria e agricultura, por exemplo- poderão receber esses trabalhadores.

Mas o discurso de ênfase nas "portas abertas" do governo francês contrasta com uma política intensa de expulsão de imigrantes ilegais romenos. Nos vagões do metrô de Paris, por exemplo, não é raro encontrar pedintes ou artistas de rua de origem romena. Essas pessoas estão sob a mira das autoridades de imigração da França.

No começo de dezembro, um vôo partiu de Paris rumo a Bucareste, capital da Romênia, com mais de 50 imigrantes ilegais a bordo. Durante o trajeto, eles foram escoltados por agentes da polícia, segundo informações do Cimade, organização que monitora o tratamento a estrangeiros na França. Pelo menos dois outros vôos rumo a Bucareste com romenos ilegais estão previstos para acontecer até o final de dezembro.

A maior parte dos 25 integrantes da UE ainda não se manifestou claramente sobre o critério de integração de búlgaros e romenos. Segundo a Comissão Européia, os governos têm até o final deste ano, ou seja, apenas alguns dias, para se pronunciarem.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]