A China está construindo um império no século 21, no qual o comércio e os empréstimos pavimentam o caminho. Se as ambições do presidente Xi Jinping se tornarem realidade, Pequim consolidará sua posição no centro de uma nova ordem econômica mundial que abrange mais da metade do globo. A China já estendeu sua influência muito além da era de ouro da Dinastia Tang (618-907) há mais de um milênio.
A manifestação mais tangível dos projetos de Xi é a Nova Rota da Seda, que propôs em 2013. O empreendimento transformou-se na iniciativa "Belt and Road", uma mistura de política externa, estratégia econômica e ofensiva de charme que, alimentada por um amplo montante de dinheiro chinês, está reequilibrando alianças políticas e econômicas globais.
Xi chama a grande iniciativa de "um caminho para a paz". Outras potências mundiais, como o Japão e os EUA, estão céticas em relação aos objetivos declarados e ainda mais preocupadas com as que não são faladas, especialmente aquelas que insinuam uma expansão militar.
O que emerge é uma imagem de países, em geral, pobres - retardatários no último meio século de crescimento global - que se aproveitam da promessa de projetos financiados pela China para recuperarem o atraso. E, no entanto, à medida que alguns vacilam e o custo do financiamento chinês aumenta, os supostos beneficiários de Hambantota, no Sri Lanka, a Pireu, na Grécia, estão questionando o preço a pagar no longo prazo.
Xi pretende realizar um empreendimento que dure um século. A China já gastou mais do que os Estados Unidos com o Plano Marshall, que resultou na reconstrução da Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Em uma década, segundo as estimativas do Morgan Stanley, a China e seus parceiros locais investirão até US$ 1,3 trilhão em ferrovias, estradas, portos e redes elétricas.
Segundo Nadège Rolland, pesquisador sênior de assuntos políticos e de segurança da National Bureau of Asian Research, sediada em Washington:
"A influência econômica é a diplomacia por outros meios. Não é para hoje. É para a China de meados do século 21.
A iniciativa Belt and Road também está relacionada à política interna chinesa. Com o governo e as empresas estatais investindo grandes somas fora da China, Xi está encorajando as empresas chinesas a canalizar seus gastos para projetos domésticos que beneficiarão diretamente a economia e, por conseguinte, a popularidade de seu regime.
As empresas não estão exatamente desafiando Xi, mas ajustaram seus planos para se adequarem aos dele. Com o projeto Belt and Road, consagrado pelo Partido Comunista desde 2017, as empresas chinesas o utilizam poder passar pelas restrições impostas por Xi ao investimento estrangeiro e às saídas de capital. Muitas estão abrigando seus projetos no exterior sob o guarda-chuva do projeto de favorito de Xi . O objetivo é obter a bênção do estado. A iniciativa Belt and Road, segundo Michael Every, chefe de pesquisa de mercados financeiros do Rabobank Group em Hong Kong, é "um molho político especial. Se você derramar em qualquer coisa, o gosto é melhor".
No início, o molho estimulou o apetite de muitos países em desenvolvimento na Ásia e na África. À medida que a noção de uma moderna Rota da Seda ganhava força, a iniciativa Belt and Road serpenteavam em lugares que nunca tinham tido qualquer conexão com antigas caravanas de comerciantes. Neste ano, chegou à América do Sul, Caribe e até o Ártico. Em junho, lançou-se para o espaço: Pequim anunciou que os países participantes da iniciativa estarão entre os primeiros a se conectarem aos novos serviços de navegação por satélite da China.
A maioria dos planos propostos é baseada em infraestrutura, como um novo porto de águas profundas em Mianmar e linhas de energia nas Maldivas. Mas quase todo investimento estrangeiro é marcado como parte da iniciativa: um trem de carga que leva sementes de girassol chinesas para Teerã, um novo tribunal em Papua Nova Guiné, um sistema de irrigação nas Filipinas.
A rede crescente de rotas comerciais, incluindo o Cinturão Econômico da Rota da Seda e a Iniciativa Marítima da Rota da Seda, agora se estende a pelo menos 76 países, principalmente em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina, juntamente com um punhado de países no Extremo Oriente europeu. Com a maior parte do comércio global movendo-se por via marítima, não é de estranhar que muitos dos primeiros lugares receber grandes aportes de recursos chineses foram os portos, além de oleodutos e outras conexões de transporte que conectam o transporte marítimo aos mercados.
Os planos da China para construir ou reconstruir dezenas de portos marítimos, especialmente no Oceano Índico, soaram feito alarme em Washington e Nova Délhi: quantas dessas docas acabarão abrigando navios de guerra chineses? Assim como as marinhas poderosas e as redes globais de bases militares ajudaram a apoiar os impérios comerciais da Grã-Bretanha no século 19 e dos EUA no século 20, a China está construindo uma frota de submarinos, porta-aviões e navios de guerra que rivalizarão com o poder americano.
A China disse que não tem intenção de usar a iniciativa para exercer influência política ou militar indevida e que a iniciativa foi criada apenas para melhorar a cooperação econômica e cultural entre as nações. "Ao buscar a iniciativa devemos nos concentrar na questão fundamental do desenvolvimento, liberar o potencial de crescimento de vários países e alcançar a integração econômica", disse Xi, em 2015.
Se for esse o caso, Xi precisará mudar as percepções das pessoas que vivem ao longo de toda a sua Rota da Seda. E isso só pode acontecer nas cidades que estão sendo transformadas pelo império de dinheiro da China.
Novos mercados na China
Aninhada nas montanhas da província de Zhejiang (Leste da China), Yiwu é a personificação do Made in China. O mercado é diferente de qualquer outro. Um vasto complexo de prédios de cinco andares abriga 75 mil quiosques vendendo 1,8 milhão de itens de mercadorias em uma área que corresponde a aproximadamente 650 campos de futeboç. Se você comprou joias e brinquedos baratos no Distrito 1, pode ser necessário pegar um moto-táxi para comprar autopeças de automóvel. A maioria dessas milhares e milhares de barracas é especializada em itens únicos - tesoura, por exemplo, com os mais diferentes tipos de ponta.
Uma antiga cidade comercial a cerca de 290 quilômetros a Sudoeste de Xangai, que se transformou em uma cidade de 1,2 milhão de habitantes, Yiwu recebeu um grande impulso da iniciativa Belt and Road. Pessoas de Beirute a Seul e mais além vão até lá para iniciar negócios. Cerca de 13 mil comerciantes de todo o mundo vivem ali. E mais chegam todos os dias, diz Mohamad Ali Moh'd Shalabi, um empresário jordaniano que é dono de um restaurante no centro da cidade e de uma empresa que exporta mercadorias para o Oriente Médio. "No meu restaurante encontrei pessoas de países que nunca sabia que existiam.”
Não foi sempre assim. No início de 2014, os negócios estavam tão parados que os comerciantes entediados jogavam jogos de computador, liam jornais ou afundavam em suas cadeiras e adormecidos.
Janey Zhang, cuja Zhejiang Xingbao Umbrella emprega cerca de 200 trabalhadores, relembra os velhos e os maus tempos. Em 2013, as vastas e labirínticas ruelas de Yiwu - um legado de 1978, quando se tornou um dos primeiros centros atacadistas da China comunista - estavam quase desertas. Atacadistas e produtores lutavam contra os crescentes custos de fabricação e com a ascensão de sites de compras online, como o Alibaba.
Então veio um raio de esperança. Nas redes sociais e na televisão, Zhang começou a ver relatórios sobre um novo trem de carga que se estenderia para o Oeste por milhares de quilômetros, cruzando a China em direção à Ásia Central e à Europa. Isto foi parte do "Novo Ponte Terrestre da Eurásia" do governo Xi, uma composição interminável de vagões com contêineres empilhados, replicando as antigas caravanas de camelos da Rota da Seda.
O impacto da ferrovia foi enorme. Lembro de ver fotos empilhadas com carga. Depois que o serviço começou, nossas vendas e clientes cresceram rapidamente.
O primeiro trem com destino à Europa partiu dali em novembro de 2014, indo para o Cazaquistão e Rússia, depois para a Europa Oriental e Madri. É uma jornada de 12,8 mil quilômetros que suplantou a Ferrovia Transiberiana como a mais longa rota de trem de carga do mundo. Desde então, mais rotas foram abertas para destinos como Londres, Amsterdã e Teerã.
O sonho de Zhang é que sua marca Real Star se converta na Hermès dos guarda-chuvas. A Europa tem sido seu principal mercado. Desde que os novos trens de carga chegaram a Yiwu, tem conseguido clientes ao longo de toda a rota, como no Cazaquistão, Rússia e Irã.
Os trens reduziram o tempo para a Europa em um terço ou mais em comparação com os navios. As viagens de volta trazem produtos europeus, como vinho, azeite, vitaminas e uísque. A China Railway Express disse que o valor das mercadorias que saíram de Yiwu no primeiro quadrimestre de 2018 aumentou 79% em comparação ao ano anterior, antingindo US$ 268 milhões. As importações triplicaram.
Mesmo assim, o modal ferroviário representa menos de 1% das exportações totais da China. Embora possa encurtar os tempos de viagem para a Europa, é mais caro que o comércio marítimo e mais lento e menos flexível do que o transporte aérei. Mas para cidades como Yiwu, e especialmente para as do Oeste da China, que estão mais longe dos portos marítimos, o trem que Xi construiu injetou nova vida em suas economias.
Um porto longe de tudo no Sri Lanka
Em uma selva no Sul do Sri Lanka, Dharmasena Hettiarchchi colhe pimentas verdes que crescem à sombra de bananeiras. Seu avô cuidava do mesmo pedaço de terra quando a ilha era a colônia britânica do Ceilão. Hettiarchchi faz uma parada, diante do forte calor sob uma árvore de teca. Eke retira seu chapéu de abas largas e diz: "Se um jipe com caracteres chineses descer pela estrada, toda a aldeia se reunirá em sinal protesto".
A aldeia de Hettiarchchi e a cidade vizinha de Hambantota se tornaram uma advertência para as aspirações da Nova Rota da Seda de Xi. A ideia era pegar um porto visitado por menos de um navio por mês, em média, e transformá-lo em um moderno e movimentado porto marítimo na rota marítima do Sul da iniciativa de Xi. O resultado não foi dos melhores
Depois que Sri Lanka elegeu Mahinda Rajapaksa, natural de Hambantota, como presidente em 2005, ele começou a criar projetos de desenvolvimento por toda a região, uma das partes menos desenvolvidas do país, que tem 21 milhões de habitantes. Mesmo muito antes da Nova Rota da Seda estar oficialmente incorporada na política do governo chinês, Pequim estava ansiosa para ajudar. E empréstimos chineses financiaram os planos de Rajapaksa. Hambantota, que na época tinha 11,2 mil habitantes, ganhou um novo porto, um centro de conferências internacional, um estádio de críquete e um aeroporto que não recebe nenhum voo diário.
Para financiar os projetos aqui e outros em todo o Sri Lanka, o governo de Rajapaksa se endividou profundamente. O porto de Hambantota, por exemplo, foi parcialmente financiado durante o governo Rajapaksa por um empréstimo do Export-Import Bank of China. Quando Rajapaksa perdeu o cargo em 2015, mais de 90% da receita do governo do Sri Lanka estava indo para pagar dívidas.
No ano passado, com o plano de Xi em andamento, um novo governo do Sri Lanka negociou para obter um alívio na dívida. Em troca de US $ 1,1 bilhão, basicamente entregou o porto à China. Sob um acordo de arrendamento de 99 anos, o governo deu 70% de propriedade do porto à China Merchants Group, uma empresa estatal com receita maior do que a economia do Sri Lanka.
A China Merchants prometeu revitalizar o porto e transformá-lo em um importante centro comercial regional. Mas alguns moradores estão cansados de promessas. "Todos esses grandes projetos são um desperdício", diz Sisira Kumara Wahalathanthri, um político local que se opõe ao atual governo do Sri Lanka. "Nenhum navio está chegando ao porto. Nenhum voo está chegando ao aeroporto."
Após 30 anos de guerra civil, muitos habitantes do Sri Lanka estão contentes em ver investimentos. No porto e em uma zona industrial circundante, o trabalho de construção continua, pressagiando a mudança. Deslocados de seus habitats normais, os elefantes selvagens regularmente pisoteiam a cerca do perímetro do porto.
Em um antigo templo budista próximo, o principal monge, Beragama Wimala Buddhi Thero, diz que começou a participar de protestos porque o modo de vida da região está ameaçado. Enquanto seu templo será poupado, as fazendas próximas não o serão, deixando ele e seus companheiros monges vestidos de açafrão sem fieis.
"Está se tornando uma colônia chinesa", diz ele sobre Hambantota. Em um salão escuro, reclinado em um trono de madeira decorado com leões e flores elaboradamente entalhados, reclama que a China já despojou seus próprios rios em nome do progresso. "Se esse tipo de poluição chegar aqui, não vai importar se temos desenvolvimento.”
Hettiarchchi é cauteloso com os agrimensores que começaram a aparecer em sua vizinhança, fazendo medições e deixando suas marcas reveladoras. Ele diz que o plano é sert transferido para uma parte do Leste do Sri Lanka para abrir caminho para o desenvolvimento. Tudo está acontecendo tão rápido e o que Hettiarchchi pode estar perdendo não pode ser substituído fácil ou rapidamente. Gesticulando para a imponente teca acima dele, o homem de 52 anos diz: "Uma árvore como essa não pode crescer durante a minha vida.”
Uma cidade onde antes havia só deserto no Paquistão
Rodeado pelo deserto no Sudoeste do Paquistão, há um arco de pedra com um único nome: Al-Noor. Mais além, ao longo de uma estrada desolada, um contêiner preto foi pintado para lhe dizer onde você está: Gwadar Creek Arena.
Al-Noor e Gwadar Creek são conjuntos habitacionais planejados. Não há nada no local. O mesmo vale para White Pearl City, Canadian City, Sun Silver City e outras áreas residenciais, que só existem nas pranchetas. O que se vê são outdoors, muitos deles, à medida que especuladores e a indústria imobiliária planeja projetos futuros na periferia banhada pelo sol de uma antiga vila de pescadores chamada Gwadar.
Gwadar é uma cidade de sonhos feita na China. Pequim está investindo dinheiro em rodovias e estradas, um hospital, uma termelétrica a carvão, um novo aeroporto, uma zona econômica especial e um porto. A cadeia de eventos que levou ao envolvimento chinês i se encaixa em um padrão repetido para cima e para baixo na Nova Rota da Seda: esforços locais ou nacionais para expandir um porto tropeçaram; China vem e salva o dia.
No caso de Gwadar, um projeto de reurbanização iniciado nos anos 2000, sob o governo do então militar Pervez Musharraf, afundou. Em 2013, os chineses chegaram. Um porto de águas profundas no local seria um terminal natural para um projeto binacional importante iniciado naquele ano, o Corredor Econômico China-Paquistão , estimado em US$ 60 bilhões. Para esse fim, Pequim está financiando a parte dos US$ 1 bilhão que serão gastos no desenvolvimento do porto e na infraestrutura em outras partes de Gwadar.
Gwadar, às margens do Mar da Arábia, é um lugar tão remoto que a sua eletricidade vem do Irã, que fica a 100 quilômetros. Nos últimos anos, a aldeia tornou-se em uma cidade de 100 mil habitantes. Embora ainda seja um gigantesco canteiro de obras, ladeado por rodovias e atravessado por estradas, os sinais de mudança são abundantes.
Ghulam Hussain, 40, é um comerciante. Todo mês, ele recebe de de seis a oito caminhões de arroz, farinha, açúcar e outros mantimentos que chegam de Karachi, a oito horas de carro. Cinco anos atrás, três cargas por mês atendiam às suas necessidades. "Não havia nada em Gwadar antes", diz ele. "Estava deserta. Estávamos muito atrasados. Desde que os chineses chegaram, nossos negócios estão em expansão.”
Mesmo assim, é difícil imaginar Gwadar como o terminal marítimo de um eixo formado por ferrovias e rodovias que se estendem por 4,8 mil quilômetros até o Leste da China. A maior parte do percurso atravessaria algumas das montanhas e desertos mais inóspitos e áridos do mundo.
Uma linha férrea, diz Andrew Small, um pesquisador do German Marshall Fund of the United States - um centro de estudos de política pública com sede em Washington, “não faz sentido econômico num futuro previsível”. A economia do Paquistão e a do Oeste da China teriam de ser completamente diferente.
Alguns dizem que a expansão militar é o verdadeiro motor da atividade em Gwadar e arredores. "O porto de Gwadar mostra que existe uma ligação estreita com as ambições militares chinesas", disse o parlamentar norte-americano Ted Yoho durante as audiências do Comitê de Assuntos Exteriores sobre as relações entre os EUA e o Paquistão, em fevereiro.
Zahid Ali, que dirigia uma pequena empresa que aumentava os créditos em telefones celulares na província de Sindh (Leste do Paquistão), vê as coisas de maneira muito diferente. Desesperado para encontrar uma maneira para pagar 800 mil rúpias (US $ 6.300) em dívidas, ele perguntou a um cliente se havia algum emprego no Paquistão que pagasse 50 mil rúpias por mês. “Vá para Gwadar”, respondeu o cliente
Foi o que Ali fez. Começou como operário, aprendeu a trabalhar com aço e logo ganhava 55 mil rúpias por mês. Agora, tendo aprendido um pouco de chinês, ele foi promovido a supervisor. "Estamos recebendo um bom dinheiro ", diz ele durante seu turno de trabalho na via expressa East Bay, de seis pistas. "É bom que os chineses tenham vindo. Muitas pessoas conseguiram empregos.”
Os chineses que foram trabalhar no Paquistão não se misturam muito com os locais. Alguns dos cerca de 150 vivem em um complexo protegido e fechado, onde contêineres verdes foram convertidos em espaços habitacionais.
Uma das primeiras coisas que um visitante em Gwadar percebe é que há mais soldados nas ruas do que policiais, uma precaução adicional contra a ameaça do terrorismo em todo o Paquistão. A segurança é rígida porque os chineses não viriam de outra forma, diz um oficial do exército paquistanês que pediu para não ser identificado. Ele diz que há postos de controle em todas as estradas que levam à cidade.
Bom, diz Naseem Ahmed, 25, que trabalha no governo da província. "A segurança é ótima aqui", ele diz enquanto se aquece antes de participar de um jogo de futebol em um estádio local. "Você pode sair às 3 da manhã e não tem medo."
Uma nova ferrovia para o Quênia
Montado em um mototáxi, em um cruzamento em Mombasa, Simon Agina está contando contêineres em um trem que passa em direção a Nairóbi, a capital do país: "... 82, 83, 84."
Há muitos contêineres voltando para o local de onde partiram. O porto de Mombasa, por onde entram as importações do Quênia, é movimentado com cargas de todos os timos. Os caminhões se alinham no cais para mover os contêineres das docas para a ferrovia.
O maior porto do Quênia é também o mais antigo. Em 2011, com a antiga ferrovia de bitola estreita entre Mombasa e Nairobi, da era colonial britânica, em péssimo estado de consevação e Pequim querendo investir na África, o Quênia tomou a iniciativa. O país africano concordou em deixar a China financiar e construir uma ferrovia de bitola padrão a um custo de US$ 3,8 bilhões. O SGR de Mombasa-Nairobi, como é chamado, é o maior projeto de infraestrutura do país desde a independência da Grã-Bretanha em 1963.
Atanas Maina, diretor administrativo da Kenya Railways, diz que mais de 30 mil quenianos foram empregados diretamente pelo projeto, administrado pela China Road and Bridge Corp. E outros 8 mil trabalharam para empresas terceirizadas
A ferrovia foi inaugurada em junho de 2018. Ao longo de sua jornada de 471 km, o SGR percorre quase cem pontes e viadutos, muitos projetados para permitir que os leões, zebras e outros animais selvagens que habitam dois parques nacionais - Tsavo East e Tsavo West - cruzem sob as trilhos.
Trens de carga como o que Agina viu começaram a operar em janeiro. "São 84 caminhões fora da estrada", diz ele enquanto os contêineres passam. A ferrovia diminuiu o tempo de entre Mombasa e Nairobi para cinco horas. De caminhão, são oito. Cinco trens de carga por dia faziam o percurso. O número poderia eventualmente aumentar para 12, tirando até 1,7 mil dos 3 mil caminhões que percorrem diariamente a rodovia.
Como qualquer grande projeto de infraestrutura, a linha ferroviária tem seus críticos. O economista e crítico do governo David Ndii diz que o empreendimento não é economicamente viável. Um jornal queniano, o Standard, acusou a China Road and Bridge de "neocolonialismo, racismo e discriminação flagrante" ao lidar com os funcionários locais. A Kenya Railways disse posteriormente que investigaria as alegações.
Ambientalistas tentaram, sem sucesso, impedir que o SGR atravessasse o parque Tsavo e tomaram medidas legais para tentar impedir a próxima fase da construção da ferrovia, que passaria pelo Parque Nacional de Nairobi, na periferia da capital.
Empresas de caminhões, cujos negócios cresceram de forma constante com a decadência da ferrovia, estão preocupadas com a perda de clientes. Vanessa Evans, diretora administrativa da Rongai Workshop & Transport, diz que o SGR pode ser uma vantagem para a economia queniana em longo prazo, mas a péssima coordenação nos terminais ferroviários de Mombasa e Nairobi causa atrasos no envio das cargas.
O trem que sai da Estação Ferroviária de Nairobi todas as manhãs, às 8 horas, com pontualidade notável, é chamado de Madaraka Express. Em suaíli, "madaraka" significa poder ou responsabilidade. Se a antiga ferrovia era uma relíquia do passado colonial britânico do Quênia, a nova, construída com o dinheiro de Pequim, poderia ser vista como um prenúncio de um novo tipo de alcance imperial.
É um instrutor chinês de terno azul que garante que as atendentes do trem, uniformizadas com as cores da bandeira queniana, estejam em pé em linha reta enquanto os passageiros embarcam. A China financiou 90% do custo de US$ 3,8 bilhões da SGR. E a gigante Chinese Communications Construction irá operar a ferrovia nos dez primeiros anos.
Michael Ndungu, 21 anos, que estuda em Mombasa e vai para a capital nos fins de semana, costumava pegar o ônibus. "O SGR tornou minha vida muito melhor", diz ele. "É mais rápido e mais seguro." Em Mombasa, o aumento de passageiros - 1,3 milhões durante os primeiros seis meses do ano - tem sido bom para a economia. "Os negócios vão bem", diz Stephen Kazungu, motorista de táxi de 26 anos.
Os trilhos novos, os trens, as estações : "Não se vê esst tipo de desenvolvimento de infra-estrutura nesta parte do país", diz Agina, enquanto o trem de carga desaparece ao longe. "Isto é incrível." - Samuel Gebre
Porto modernizado em uma Grécia endividada
Foi na primavera de 2016. A Grécia estava “apertada” pela crise. Seus vizinhos e credores pressionavam o governo para reforçar a austeridade. Assim, a Grécia vendeu o controle do Pireu, o célebre porto marítimo que antigamente estava ligado a Atenas por muros fortificados, à China Cosco Shipping, uma empresa estatal chinesa.
O acordo tem muitas das características dos maiores projetos da Nova Rota da Seda. Começou anos antes de o projeto de Xi ser anunciado. Em 2009, a Cosco conseguiu um contrato para administrar parte do terminal de contêineres do Pireu e se adaptou facilmente à iniciativa, voltada em grande parte para aumentar o alcance do comércio marítimo da China e envolveu um país anfitrião desesperado por investimentos.
Mas, ao contrário de muitos dos investimentos vultosos da China, este não é um projeto de construção em um lugar remoto em país em desenvolvimento. O acordo marcou a aquisição gradual da China de uma das mais antigas e importantes entradas marítimas da Europa. O Pireu tem sido o porto e estaleiro de Atenas há cerca de 2.500 anos e ajudou Atenas, na Antiguidade, a se tornar uma superpotência naval.
Em seu escritório, Ioannis Kordatos, diretor administrativo da Hellenic Welding Association, pode ver a parede de contêineres empilhados no alto de um dos cais. "Se a Cosco desaparecesse magicamente amanhã, seria uma perda enorme", diz Kordatos. "O que importa não é que eles são chineses, mas que são uma empresa privada que faz negócios sérios."
É um negócio muito sério. O acordo de 2016 deu à Cosco uma participação de 67% da Piraeus Port Authority por US$ 429,5 milhões. Durante o primeiro ano completo do porto sob o controle chinês, a receita líquida aumentou 69%, para 11,3 milhões de euros. A receita do terminal de contêineres cresceu 53%. Desde que a Cosco se instalou no terminal grego, o Pireu se tornou o porto de contêineres mais movimentado da Europa. Há dez anos, não estava entre os 15.
O Pireu é uma cidade movimentada por si só. Marinas estão cheias de iates atenienses prontos para a navegação de fim de semana. As balsas de passageiros atracam perto do centro da cidade para transportar moradores e turistas para as ilhas do mar Egeu. Mais a Oeste, nos estaleiros, os trabalhadores consertam barcos. E guindastes gigantescos pairam sobre contêineres.
Partes da cidade estão cobertas com tapumes, enquanto escavadeiras trabalham em uma nova estação de metrô e em conexões de transporte público.
No coração do Pireu, a Cosco planeja modernizar os terminais de balsa e de navios de cruzeiro, implantando um shopping center e novos hotéis. Mais adiante, ao redor do Golfo de Elefsina, os investimentos de Cosco poderiam ajudar a reviver a indústria siderúrgica grega, no oeste de Atenas. Lá, um centro de logística planejado, ligado ao porto por via férrea, pode se tornar um pátio de mercadorias para serem enviados ao Norte, passando pelos Balcãs.
Nem todos no Pireu compartilham o sentimento caloroso de Kordatos em relação à compra o porto pela Cosco. "Se tivesse dinheiro, compraria em vez de deixá-lo para estrangeiros", diz Evlampia Kavvatha, dona de uma loja que vende prateleiras no centro da cidade.
Talvez a presença de Cosco aqui seja um caso de tempos desesperados exigindo medidas desesperadas. Como o resto do país, o Pireu foi atingido por uma depressão que eliminou um quarto do PIB do país desde a crise da dívida soberana, em 2008. Longe da principal rua comercial, a cidade sofre com a praga de fachadas vazias, como ocorre em outros lugares na Grécia.
Giorgos Gogos, secretário geral do Sindicato dos Portuários dos Pireus, diz estar preocupado com o impacto da estatal chinesa nas relações trabalhistas e na comunidade local. "Achamos que é um erro que uma infraestrutura como essa deixe de pertencer ao estado", diz ele. "Os chineses têm seu próprio modo de operar. Ela tem a característica do capitalismo de estado chinês."
Apesar de toda a preocupação com os efeitos potencialmente corrosivos sobre a economia e soberania da Grécia - e sobre os motivos ocultos de Pequim - a incursão da empresa no Pireu tem algo em comum com outros investimentos de Pequim ao longo da vasta e sinuosa Nova Rota da Seda: a China pôs o dinheiro onde outros não colocaram