Um acordo informal entre o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), vai ajudar e acelerar o processo de repatriação de venezuelanos que estão no Brasil e querem voltar. O entendimento foi fechado na quinta-feira, em Caracas, durante reunião entre os dois.
No encontro, Suely também obteve de Maduro a promessa de que a Venezuela manterá o fornecimento de energia ao Estado, o que minimizaria os apagões frequentes - Roraima é o único Estado do País que depende de abastecimento externo. À reportagem, a assessoria da governadora afirmou que os acordos com Maduro tiveram caráter "informal", que não há nenhum documento assinado.
Questionamento
O Estado de S. Paulo consultou constitucionalistas e diplomatas que disseram que a missão de Suely estaria atropelando o governo federal. De acordo com o Artigo 21 da Constituição brasileira, manter relações com Estados estrangeiros é de competência da União.
Para o ex-embaixador Rubens Barbosa, não importa se houve assinatura ou acordo formal. "Ela não tem nenhuma autonomia para fazer esse tipo de acordo. Nenhum Estado pode fechar acordos desse tipo com países estrangeiros", disse.
"Em tese, qualquer ação de política externa pode ser considerada inconstitucional", disse a advogada constitucionalista Vera Chemin. Outro advogado, ligado ao Ministério Público, que pediu para não ser identificado, corroborou a mesma tese ao Estado, que governadores não podem "firmar" acordos internacionais nem repatriar estrangeiros. O Itamaraty e o Palácio do Planalto disseram que não comentariam o caso.
Impactos
O acordo beneficia tanto Suely como Maduro. Na Venezuela, o ditador estabeleceu o programa "Volta à Pátria", que pretende alardear a volta de venezuelanos ao país. Em agosto, ele fretou um avião para repatriar 100 refugiados do Peru. O objetivo, segundo opositores, é mostrar o retorno de imigrantes arrependidos.
Enquanto isso, Suely está envolvida na disputa eleitoral local e os venezuelanos se tornaram um dos temas mais sensíveis da campanha. "Expliquei (a Maduro) que somente em Roraima já tínhamos recebido mais de 70 mil venezuelanos e me comprometi a ajudar a implementar o programa aqui na fronteira para ajudar no transporte daqueles venezuelanos que queiram voltar ao seu país", disse Suely.
Ainda segundo ela, essa ação começa a ser implementada a partir da próxima semana, inicialmente atendendo a 100 imigrantes que já se cadastraram junto ao Consulado da Venezuela e estão na lista de espera. "Só serão repatriados aqueles que manifestem vontade de voltar."
O governo de Roraima pretende garantir transporte até a cidade de Santa Elena de Uiarén, que faz fronteira com o município brasileiro de Pacaraima, para todos aqueles que querem retornar. De lá, eles serão levados de avião até outras cidades venezuelanas com a ajuda do consulado.
A governadora mencionou que o pedido de fechamento da fronteira já não está mais em pauta, mas que continua com a ação no Supremo Tribunal Federal (STF), cobrando mais rigor no controle da imigração e o ressarcimento dos R$ 184 milhões que o governo do Estado já gastou para prestar serviços públicos aos venezuelanos.
Os impactos da crise
A crise econômica na Venezuela está causando um fluxo migratório sem precedentes em todo o mundo, mas, em particular, na América Latina. Pelo menos 2,5 milhões de pessoas - de 8% da população venezuelana - deixaram o país nos últimos anos em razão da crise. O aumento do número de imigrantes venezuelanos na América Latina foi de 896% nos últimos dois anos. Até o fim deste ano, a estimativa é de que mais 2 milhões busquem refúgio em nações vizinhas.
Os números estão no estudo “O desafio da migração venezuelana para a região”, de Francesca Ramos Pismataro, da Universidade de Rosário, na Colômbia, apresentado na 15.ª Conferência Internacional do Forte de Copacabana, promovida pela Fundação Konrad Adenauer, sobre gerenciamento de crises internacionais.
Em relação a outros países latinos, o Brasil recebeu poucas pessoas, de 2015 para cá, cerca de 100 mil. O Chile recebeu mais de 300 mil refugiados, e o Peru, quase 400 mil. A Colômbia foi a recordista: quase 2 milhões de venezuelanos se mudaram para o país no mesmo período.
"A Venezuela é um país de acolhida. Por isso, tem sido tão difícil para o país manejar essa situação, que teve início, timidamente, no fim dos anos 90 por conta dos mais diversos acontecimentos políticos", afirmou a especialista Milagros Betancourt, da Universidade Católica Andrés Bello, da Venezuela, que também participou da conferência.
O ministro da Defesa do Brasil, general Joaquim Silva e Luna, participou do evento. Ele esteve na Venezuela há duas semanas para uma reunião no Ministério da Defesa.
A estratégia do Brasil para os países do entorno é de cooperação. Buscamos trabalhar em relações bilaterais. O diálogo existe e o País está buscando saídas. Fora isso, não visualizamos nenhum outro tipo de solução que envolva meios militares.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.