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Custos da invasão

À beira de um calote, a Rússia tem condições de seguir com a guerra na Ucrânia?

Tanque russo nas proximidades de Kiev
Tanque russo nas proximidades de Kiev (Foto: EFE/OLEG PETRASYUK)

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A agência de classificação de risco Moody’s disse que a Rússia pode estar inadimplente, após a tentativa de pagar em rublos dois de seus títulos em dólar, com vencimento em 4 de abril. Caso a conta não seja sanada até o fim do período de carência, em 4 de maio, o país pode ser declarado em default (descumprimento de obrigações de um empréstimo) em títulos estrangeiros pela primeira vez desde 1918, pouco após os bolcheviques tomaram o poder.

"Os contratos de títulos não têm previsão de pagamento em nenhuma outra moeda que não seja dólares", declarou a Moody's em comunicado, na quinta-feira (14). Com a quarta maior reserva do mundo, construída por Vladimir Putin justamente para uma crise como a atual, a Rússia tem dinheiro, mas não pode pagar a dívida, porque suas reservas estão congeladas pelas potências ocidentais.

Com as sanções internacionais e o prolongamento da guerra – que estima-se custar ao país mais de US$ 20 bilhões por dia, incluindo gastos diretos e perdas na produção econômica –, a situação financeira da Rússia seria capaz de frear a investida de Putin na Ucrânia?

Analistas internacionais acreditam que, no curto prazo, o calote iminente não alteraria o resultado da guerra. “Especialmente se a Rússia for capaz de alcançar seus novos e mais limitados objetivos militares na região leste de Donbass rapidamente”, afirma o The Conversation, com base na análise dos especialistas em economia política e conflito Michael Allen e Matthew DiGiuseppe.

Para o professor de Relações Internacionais no Ibmec SP Alexandre Pires, mais do que parar Putin, o estrangulamento da Rússia deve gerar uma intensificação na brutalidade dos meios de guerra, com mais mortes de civis, como uma forma de “ultimato” para que a Ucrânia se renda.

“Provavelmente esse terceiro mês seja o mais brutal. Já temos visto a Rússia mirando a parte ocidental, não por ser rica, porque rico é o distrito industrial do lado oriental que eles querem controlar, mas para que os ucranianos tenham que partir para uma negociação de paz. Eles vão buscar vencer o quanto antes, para depois pensar na normalização econômica”, aposta.

Pires defende que isso é possível porque a Rússia tem usado armamentos antigos que estavam estocados e, possivelmente, estejam com o prazo de validade se esgotando. Além disso, a autossuficiência do país em combustíveis, um ativo importante para a guerra, e em grãos, para garantir a segurança alimentar da população, enfraquece um pouco os efeitos das sanções, na opinião do professor.

“Vemos notícias de bombas de vácuo, de pequenos dardos encontrados em algumas vilas, como os que eram usados pelos Estados Unidos no Vietnã. Esse é o lado cruel da guerra: despejar artilharia antiga, que já ia deixar de ter uso. Não temos visto os russos perderem muitas coisas novas e valiosas, como caças. A Rússia tem poder militar para destruir a Ucrânia muitas vezes”, aponta.

O economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena concorda que a autossuficiência russa em armamentos e combustíveis a coloca em uma posição de vantagem, mas pondera que o país depende do mercado externo para itens como peças para aviões, tanques e microchips para mísseis.

“A Airbus e a Boeing, por exemplo, anunciaram que não vão mais fornecer peças de aeronaves para companhias aéreas russas. Isso impacta a aviação dentro do país. A grande quantidade de ativos e de produtos necessários complica a situação não só na guerra, mas no dia a dia”, acrescenta.

Com “parte do custo da guerra em moeda estrangeira” e as reservas russas bloqueadas no exterior, Lucena explica que o país tem adotado a estratégia de prolongar sua capacidade financeira, mantendo internamente o máximo de reservas estrangeiras. Por isso, a tentativa de pagar a dívida externa em rublos.

O especialista recorda que, diferentemente do que acontece no Brasil (cuja dívida é basicamente 95% em real), a maior parte da dívida externa russa tem contratos em dólar ou euro. “Essa tentativa de alterar unilateralmente a moeda do contrato, nunca antes vista, na prática é um default. A Rússia quer forçar os credores a receber em rublo, e hoje existe praticamente uma inconversibilidade do rublo. Ninguém quer receber nessa moeda e os bancos não querem aceitá-la mais”, reforça.

Dessa forma, na opinião do economista, a situação financeira da Rússia no cenário internacional, com a máxima desvalorização do rublo, poderia forçar um acordo de paz com a Ucrânia.

O fato é que quanto mais a Ucrânia resistir, mais desgastante a guerra se tornará financeiramente para a Rússia. Diante da impossibilidade de obter crédito no mercado, a tendência é o enfraquecimento russo, sobretudo com a redução da dependência europeia do combustível vindo do país.

“A principal artilharia econômica que poderia ser mirada na Rússia é o gás da Alemanha”, defende Alexandre Pires. No entanto, ele acrescenta, o Ocidente ainda não tem condições de arcar com essa sanção. “Não existe logística de enviar gás americano para a Alemanha, seria preciso construir navios para isso, o que leva tempo”, pondera.

Pires recorda que a economia ucraniana já sofreu uma retração de 45% neste ano e que a russa teve um impacto bem menor, em torno de 15%. A conta pela guerra, no entanto, deve chegar para a Rússia. “Do ponto de vista de futuro, a Rússia está contratando pobreza. Até o país recuperar o grau de investimento, vai demorar. O Ocidente vai cobrar essa conta, fazer com que ressarça a Ucrânia. O horizonte de declínio econômico é de 30 anos”, projeta.

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