A exagerada intervenção da Rússia no conflito entre a Geórgia e separatistas apoiados pelo gigante do Norte mostrou o quanto o antigo império almeja ser muito mais do que um "país emergente". A Federação Russa, o "R" da sigla BRIC, em que faz companhia aos outros três principais países em desenvolvimento (Brasil, Índia e China), está recheada de petrodólares e busca retomar a influência perdida no Cáucaso após a implosão da União Soviética, em 1991.
Para analistas, essa intenção já havia sido explicitada pelo primeiro-ministro, Vladimir Putin, em discurso ao Parlamento russo em outubro passado, quando ainda era presidente. "Ele chamou a atenção para o cinturão de segurança que está se montando em torno da Rússia e disse que não o toleraria", diz o sociólogo argentino Raúl Enrique Rojo, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "O que aconteceu nesta semana no Cáucaso é um pouco desta doutrina Putin colocada em prática."
No início do ano, esse discurso de Putin novamente deu sinal de vida na forte reação do país contra a instalação de um escudo antimísseis norte-americano na Polônia, na época apenas em estudo. O acordo foi finalmente pré-firmado na última quinta-feira. Mais uma vez, o Kremlin reagiu duramente. Como "castigo" a Varsóvia, um general do alto escalão russo disse que a Polônia se tornou vulnerável a ataques nucleares.
Falar grosso é algo valorizado na Rússia. "Eles valorizam um governo forte, centralizador, e Putin é o nome forte desta era", diz o professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN), Jair Diniz Miguel.
Para o russo Alexander Zhebit, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Putin e o atual presidente, Dmitri Medvedev, agiram em legítima defesa. "Não sei se há um grande plano por trás, mas como você reagiria se seus cidadãos estivessem sendo assassinados?", questiona, referindo-se ao fato de muitos sul-ossetianos possuírem passaporte russo.
Reação
A conseqüência da "marcação de presença" russa no Cáucaso foi drástica. No saldo ainda não oficial, 2 mil pessoas morreram e 100 mil foram deslocadas.
Politicamente, a repercussão é incerta. A maior potência militar do mundo, os Estados Unidos, teme que esta seja a ponta de um iceberg mais hostil do que se imaginava contra aliados da união de potências militares, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
O candidato republicano à Casa Branca, John McCain, defendeu uma resolução das Nações Unidas (ONU) condenando a Rússia mas, nesse caso, seria provável o veto da própria acusada, que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
O pior movimento seria expulsar a Rússia do G8 (grupo dos sete países mais ricos e a Rússia), escreveu o editor do jornal inglês The Independent, Adrian Hamilton. "O G8 é uma associação que objetiva melhorar o funcionamento da economia internacional. Nunca essa cooperação foi tão necessária." A principal carta na manga russa, que poderia afastar qualquer retaliação mais séria, são suas reservas de gás e petróleo, que abastecem boa parte da Europa.
Outra passa pela campo militar. "A Rússia é uma potência nuclear e tem seus mísseis apontados para a Europa", diz o professor Diniz Miguel.
Quem tem mais a temer, na opinião do professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UNB), Paulo César Nascimento, são as demais ex-repúblicas soviéticas. Algumas delas, como a Ucrânia, já foram alvo de retaliações no passado. "O país pode ver surgirem tensões separatistas na Criméia ou sofrer com a falta de gás no inverno", diz.