A Rússia anunciou nesta segunda-feira (24), que fornecerá ao governo sírio sistemas de defesa antimísseis S-300, mais modernos do que os atualmente utilizados. A decisão foi tomada após a derrubada de um avião russo pela Síria na semana passada. Apesar de ter sido um acidente de fogo amigo, o caso elevou as tensões na região.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que descobertas recentes dos militares russos mostraram que um jato israelense "deliberadamente" empurrou o Il-20 russo para a linha de fogo, permitindo sua derrubada. Funcionários de Moscou disseram que os sistemas antigos S-200 da Síria não eram sofisticados o suficiente para identificar o avião russo como amigo.
O avião militar derrubado pela defesa síria tinha 15 pessoas a bordo e todas morreram. Moscou culpou Israel pelo ocorrido, alegando que caças israelenses empurraram a aeronave russa para a linha de fogo síria. Pouco antes da queda, ataques de Israel haviam atingido alvos dentro do território sírio, impedindo um envio de armas ao grupo militante Hezbollah, apoiado pelo Irã.
Israel há muito tempo pede à Rússia que não forneça o sistema de defesa aérea S-300 à Síria e, em 2013, o Kremlin concordou em fazer um acordo para mantê-los em espera.
Mas depois da queda do avião russo, "a situação mudou", disse o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, em um discurso transmitido ao vivo pela televisão nacional. "Estamos confiantes de que essas medidas vão esfriar 'cabeças quentes' e evitar movimentos imprudentes que ameaçam nossos militares", disse ele. O Ministério da Defesa russo divulgou uma animação neste domingo sobre como teria ocorrido a derrubada do avião:
O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, disse que o fornecimento do sistema antimísseis é um "grande erro". O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse à Putin, por telefone, que colocar sistemas de armas avançados em mãos irresponsáveis aumentaria os perigos na região. Putin defendeu a entrega do S-300 e outras medidas como "apropriadas na situação atual", segundo o Kremlin.
‘Novo patamar’
O ministro da Defesa russo também informou que o S-300 será entregue à Síria dentro de duas semanas. As unidades de comando de defesa aérea da Síria serão conectadas diretamente aos postos de comando russos com sistemas automatizados que atualmente são implantados apenas em unidades russas. "O mais importante é que isso garantirá que as aeronaves russas sejam identificadas pelas defesas aéreas sírias", disse Shoigu.
O ministro também afirmou que a Rússia começará a atacar eletronicamente aeronaves que tenham alvos no território sírio. "Nós estamos convencidos de que essas medidas irão acalmar alguns (militares) impulsivos e impedi-los de tomar ações descuidadas que representem perigo para nossas tropas", disse Shoigu.
O vice-ministro das Relações Exteriores, Mikhail Bogdanov, disse a agências de notícias que o fornecimento de S-300 para a Síria é um direito da Rússia e expressou confiança de que a medida não prejudicaria seus laços com Israel. Segundo o Kremlin, a decisão da Rússia não foi dirigida contra ninguém e apenas serve para proteger as tropas russas na Síria.
"Isso levará as defesas antiaéreas sírias a um novo patamar", disse Anton Lavrov, analista de defesa independente baseado em Moscou. "Isso não os tornará invulneráveis aos ataques israelenses, mas tornará as coisas mais complicadas e aumentará o risco de perdas. Isso pode causar uma reação de Israel ou dos EUA, incluindo tentativas de destruir o sistema antes que ele esteja operando".
O diretor do Centro Carnegie de Moscou, Dmitri Trenin, escreveu no Twitter que "a decisão de Moscou de fornecer às forças sírias o sistema de defesa aérea S-300 e o pessoal russo para operá-los visa tornar Israel mais cuidadoso nas proximidades dos ativos russos, enquanto também controla os aliados sírios".
Tensões
A queda do avião russo na última semana colocou à prova as relações entre Rússia e Israel. O presidente Vladimir Putin inicialmente emitiu uma nota conciliatória, dizendo que o acidente aconteceu por uma "corrente de circunstâncias trágicas e fatais". Mas militares russos se manifestaram no domingo (23) renovando as acusações contra Israel.
A Rússia aumentou sua atuação na guerra da Síria, apoiando o regime do ditador Bashar al-Assad. Sua presença mudou os rumos da guerra em favor de Assad, mas Moscou tem atuado como um intermediário, mantendo boas relações tanto com o Irã como com Israel. O governo israelense, por sua vez, é cauteloso sobre a crescente influência do Irã nas proximidades de sua fronteira com a Síria.
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O papel da Rússia na Síria permitiu que as forças de Assad, que vinham perdendo território para a oposição armada, ganhassem vantagem e recuperassem territórios significativos mantidos pelos rebeldes. Nos últimos meses, o governo recapturou muitas áreas controladas pelas oposição. O último reduto dos rebeldes e grupos extremistas é a província de Idlib, no noroeste da Síria. Forças russas e sírias estavam se preparando para invadir a área, quando Rússia e Turquia, que apoia os rebeldes, concordaram em criar uma zona desmilitarizada em torno da província, evitando uma ofensiva que poderia causar “um banho de sangue”, segundo a ONU, e uma nova onda de imigrantes sírios na Turquia, já abriga mais de três milhões de refugiados sírios e está enfrentando uma grave crise econômica.
Pouco após o anúncio desta segunda-feira (23), o gabinete do ditador sírio recebeu uma ligação de Putin e os dois discutiram os últimos acontecimentos, incluindo a negociação sobre Idlib e a entrega dos S-300. Segundo o comunicado, Putin reiterou que a Rússia responsabiliza Israel pela queda do avião russo.
Assad expressou suas condolências pelas mortes dos pilotos russos, dizendo que estavam "realizando uma missão nobre, combatendo o terrorismo na Síria". O Kremlin confirmou a ligação, dizendo que Assad e Putin discutiram trabalhar para "alcançar uma normalização duradoura na Síria e restaurar sua soberania, unidade e integridade eleitoral".
Fonte: Associated Press.