O Kremlin considera a expulsão em massa de seus diplomatas de países ocidentais o primeiro passo de uma campanha que poderá culminar com a retomada de conflitos militares na sua periferia.
O alvo central é, segundo essa visão, a Copa do Mundo que começa em junho. O objetivo, constranger o presidente Vladimir Putin no momento em que estará na vitrine do mundo.
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A reação oficial veio do vice-ministro do Exterior russo, Sergei Ryabkov. Em entrevista, ele disse à agência de notícias RIA Novosti, que Moscou está preparando uma “resposta dura” ao anúncio da expulsão, mas não deu mais detalhes.
A preocupação das autoridades é a retomada de hostilidades no leste da Ucrânia ou na região de Nagorno-Karabakh durante a realização do Mundial.
O temor propalado pode ser real, mas também pode se encaixar na teoria segundo a qual o governo Putin está celebrando a retaliação ocidental no caso do envenenamento de Serguei Skripal e sua filha.
Uma terceira leitura é maquiavélica: a de que o Kremlin atacou o ex-espião para gerar o conflito e reforçar a posição de Putin como um líder forte, ainda que isolado, e com as mãos livres para quaisquer medidas mais drásticas.
Politicamente, a crise já pagou dividendos na reeleição de Putin no dia 18. Seu chefe de campanha disse que a ação britânica contra Moscou no episódio garantiu dez pontos a mais de comparecimento ao pleito.
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Guerra de Nagorno-Karabakh
O foco principal de preocupações é Nagorno-Karabakh, uma das mais sérias disputas territoriais herdadas do fim da Guerra Fria.
No século 20, essa área de maioria armênia no Azerbaijão foi tornada autônoma.
Com o fim da União Soviética em 1991, azeris e armênios disputaram o território em uma guerra aberta, congelada por um cessar-fogo em 1994.
Os russos apoiam a Armênia na disputa, tendo fornecido há dois anos o poderoso míssil intermediário Iskander ao país, capacitando-o a destruir os campos de petróleo do Azerbaijão em caso de um conflito.
Em 2016, durante quatro dias houve uma retomada de combates, rapidamente contida.
Os russos, que veem más intenções ocidentais em cada canto, às vezes com razão, creem que Baku possa ser incentivada a agir durante a Copa, talvez obrigando Moscou a socorrer a aliada Armênia.
Ucrânia
Já o conflito da Ucrânia é mais sério, e por isso mesmo menos provável de irromper.
Depois que o governo pró-Moscou foi derrubado em 2014, o Kremlin patrocinou a secessão da península da Crimeia, área historicamente russa que fora dada a Kiev em 1954, quando Rússia e Ucrânia eram soviéticas.
O mesmo aconteceu nas áreas russas étnicas do Donbass, no leste ucraniano, embora ali o Kremlin não tenha real interesse em absorção territorial porque a região é um dreno econômico.
Cerca de 10 mil pessoas morreram, e o conflito está congelado. Kiev, segundo a teoria russa, poderia atacar a área estimulada pelo Ocidente na Copa.
Além dos riscos de uma escalada incontrolável, há eleição em 2019. O presidente Petro Poroshenko buscará ficar no cargo, algo que seria incerto sem a presença da ameaça separatista no leste.
Tensão
Se todas as especulações não passam de paranoia, contrainformação ou parte de uma trama, é incerto. Mas a gravidade delas demonstra o grau de tensão no ar.
Há outros fatores. Para o americano Donald Trump, a crise é bem-vinda para tentar afastar dele a imagem de que foi ajudado pelos russos a se eleger em 2016.
Isso dito, é preciso não exagerar nos efeitos práticos da expulsão em massa e sua certa retaliação. Economicamente, nada foi feito contra os interesses ocidentais na Rússia e vice-versa.
Moscou continua sendo a torneira de gás da Europa, fornecendo 40% do que o continente consome. E empresas ocidentais, como a britânica BP, têm posições acionárias fortes em gigantes russas do setor energético.