A volta às aulas dos estudantes russos nesta semana deflagrou um debate internacional sobre a iniciativa do Kremlin de distorcer a história por meio de mudanças em livros escolares a fim de tentar justificar a invasão da Ucrânia. Moscou também prepara uma nova disciplina que será introduzida no currículo de 2024 com o objetivo de ensinar os estudantes a pilotar drones com explosivos e conhecer mais sobre fuzis de assalto.
"A História da Rússia, 1945 ao início do século 21" é um dos principais livros escolares do currículo escolar russo. Ele é destinado a adolescentes com idades entre 16 e 17 anos. Desde agosto, ele vem sendo reimpresso para conter mais 28 páginas que distorcem a história e tentam justificar a invasão da Ucrânia, em um esforço de propaganda patrocinado pelo Kremlin.
O livro diz, por exemplo, que a Ucrânia planejava se juntar à Otan (aliança militar ocidental) e provocar um conflito com a Rússia, que seria forçada a usar armas nucleares, segundo reportagem da BBC. "Esse possivelmente seria o fim da civilização. Isso não poderia acontecer", diz o texto do livro, que tem como co-autor o assessor especial do Kremlin, Vladimir Medinsky.
A versão correta da história é que Moscou lançou uma invasão não provocada contra a Ucrânia em fevereiro de 2022, acreditando que o governo de Kyiv seria destituído em poucos dias, antes do Ocidente conseguir enviar ajuda militar. A ação fazia parte de um plano expansionista de Putin revelado em ensaio acadêmico assinado pelo mandatário um ano antes.
Uma corrente de analistas militares diz equivocadamente que a invasão foi uma resposta ao expansionismo da Otan em direção à fronteira russa. Eles não mencionam que países do leste europeu como Polônia, Estônia, Letônia, Letônia e Lituânia entraram espontaneamente na aliança para evitar justamente uma invasão como a que ocorreu na Ucrânia em 2022 e na Geórgia em 2008. Seus argumentos baseiam em uma promessa feita pelas potências ocidentais à então União Soviética nos anos de 1990 de que a Otan não se expandiria.
O livro escolar russo também justifica a anexação ilegal da Crimeia em 2014 alegando falsamente que a Ucrânia prentendia transformar a base naval russa de Sevastopol, que fica na península da Crimeia, em uma base da Otan onde seriam instaladas armas nucleares.
A anexação ocorreu a partir de uma ação de forças especiais russas que capturaram navios ucranianos no porto e derrubaram o governo local. Mas nunca houve qualquer indício de que Kyiv tinha a intenção de retomar a base naval, uma concessão que vigorava desde o fim da União Soviética. A anexação foi sim uma resposta à Revolução da Praça Maidan, no mesmo ano, que derrubou o presidente Viktor Yanukovych, que atuava como títere da Rússia.
Em capítulos anteriores, o mesmo livro relata a história russa sem mencionar por exemplo a brutalidade e a finalidade dos gulags que funcionaram principalmente na época do ditador soviétido Joseph Stalin. O livro não menciona que milhares de prisioneiros políticos foram mortos nesses campos de extermínio entre os anos de 1929 e 1953.
Mikhail Myagkov, presidente da Sociedade de História Militar da Rússia, disse ao jornal New York Times que novos materiais educacionais estão trazendo uma visão "mais objetiva" sobre Stalin, alguém que "claramente defendeu os interesses internacionais da União Soviética".
Livro mente para estudantes dizendo que Ocidente quer aniquilar civilização russa
O livro de história revisado pela Rússia em geral mente para os estudantes dizendo que a Ucrânia seria usada pelas potências ocidentais para tentar acabar com a civilização russa. Por isso, a invasão da Ucrânia seria a uma reposta do Kremlin a uma ameaça existencial.
Essa versão para a guerra começou a circular apenas no segundo semestre de 2022, em um esforço de propaganda concentrado do Kremlin. Inicialmente, Moscou havia afirmado que a invasão havia ocorrido porque o governo ucraniano seria formado por neonazistas. Issa era uma alegação baseada apenas na existência de um único batalhão ucraniano, na cidade Mariupol, que tinha elementos adeptos do neonazismo.
O argumento do Kremlin foi derrubado principalmente depois que a Rússia acusou o presidente Volodymyr Zelensky de ser neonazista. Mas como o presidente ucraniano é judeu, o Estado de Israel entrou na discussão e a Rússia se viu obrigada a se retratar. Aliados de Putin passaram então a acusar o governo ucraniano de satanismo, mas a alegação também foi desmentida. O discurso passou então a ser o de ameaça à civilização russa.
Segundo a agência de notícias russa RIA Novosti, os livros escolares devem começar a ser utilizados no início do ano letivo de 2024.
Meninos aprenderão sobre drones e fuzis e meninas sobre primeiros socorros
Os ministérios da Educação e da Defesa da Rússia anunciaram recentemente a introdução de uma nova disciplina no currículo escolar chamada "Básico de Defesa e Defesa da Pátria". Ela inclui treinamento militar limitado e também deve constar no currículo do ensino médio russo a partir do ano que vem.
Nessa disciplina, meninos devem aprender a marchar e receberão aulas sobre as principais características de fuzis de assalto Kalashnikov. Eles também aprenderão a pilotar drones que podem ser equipados com explosivos para atacar tropas inimigas. Já as estudantes receberão as primeiras instruções sobre primeiros socorros em campo de batalha.
O novo currículo é parte de um esforço de militarização da sociedade para uma guerra longa. A mídia ocidental tem revelado relatos de pais de família russos que têm recebido multas porque seus filhos demonstraram apreço pela Ucrânia nas salas de aula. Há também casos em que representações de tiros em alvos são usados para ensinar matemática básica para crianças.
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