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O governo de Vladimir Putin tem recorrido a um rótulo do período da União Soviética para perseguir ativistas, imprensa, oposicionistas e demais vozes críticas na Rússia: agente estrangeiro.
O termo, que nos tempos do comunismo remetia à espionagem e era usado como justificativa na repressão a dissidentes políticos, consta de uma lei russa de 2012, que determina que ONGs poderiam receber essa designação se participassem de atividades políticas e recebessem financiamento estrangeiro. A justificativa de Putin, que está no poder desde o ano 2000, era evitar intromissões nos assuntos internos da Rússia.
Ao longo dos anos, a lei recebeu emendas para incluir qualquer pessoa jurídica ou física como passível de receber o rótulo de agente estrangeiro, o que escancarou o fim político da legislação.
Quem se torna alvo dessa classificação é obrigado a relatar suas atividades ao Ministério da Justiça a cada seis meses, passa por auditorias e precisa mencionar seu status de agente estrangeiro em qualquer conteúdo que publicar – o que abrange até mesmo publicações em redes sociais. Indivíduos na “lista” que não se submetem a esses controles podem ser condenados a até cinco anos de prisão.
Na semana passada, a Rússia anunciou a suspensão das transmissões da emissora pública alemã de televisão Deutsche Welle em seu território após a Alemanha ter proibido as exibições do canal russo Russia Today (RT) em língua alemã.
Além disso, a Rússia fechou o serviço de correspondentes do canal no país e cancelou as credenciais de trabalho de todos os seus funcionários. Uma nota do Ministério das Relações Exteriores russo ressaltou que os órgãos competentes iniciaram um processo para declarar o canal alemão como agente estrangeiro e para elaborar uma lista dos envolvidos na proibição do RT.
Essas pessoas, incluindo funcionários do governo alemão, cujos nomes não foram divulgados, serão proibidas de entrar em território russo. A Rússia alegou que as medidas tomadas para proibir as transmissões do RT são “destrutivas” e frisou que o veto à DW é a primeira parte de uma série de ações de resposta.
A Comissão para a Supervisão de Meios de Comunicação da Alemanha (ZAK) havia proibido a exibição da programação em alemão do RT por falta de uma licença.
Para pesquisadora, aumento da repressão denuncia vulnerabilidade
Em dezembro, o Tribunal Supremo da Rússia havia determinado a dissolução da Memorial, a principal organização de direitos humanos do país e que preservava a memória de centenas de milhares de pessoas reprimidas durante o período da União Soviética. A ONG havia sido classificada como agente estrangeiro em 2016.
Outros alvos ilustres da classificação como agente estrangeiro foram a Transparência Internacional, que costuma colocar a Rússia entre os últimos colocados no seu ranking anual sobre corrupção e desrespeito aos direitos humanos (em 2021, ficou em 136º lugar entre 180 países); integrantes da banda punk Pussy Riot, que criticam Putin e em 2012 foram presas devido a um protesto em uma catedral em Moscou; e o advogado Ivan Pavlov, que defendeu a fundação do líder oposicionista Alexei Navalny, preso no ano passado.
Entretanto, para a pesquisadora Natia Seskuria, membro associado do Royal United Services Institute, o fato de Putin estar expandindo o escopo da lei de agentes estrangeiros está longe de ser uma demonstração de força: pelo contrário, “lança luz sobre as vulnerabilidades de longo prazo do regime”.
“Ao visar meios de comunicação menores e mais proeminentes, o Kremlin espera evitar protestos em massa no estilo de Belarus”, afirmou Seskuria, em artigo para o site Foreign Policy. “Ao fechar uma válvula de segurança necessária, mesmo que as pressões sociais, econômicas e políticas continuem a crescer, a estratégia de Putin pode sair pela culatra”, acrescentou.