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 | Solovetsky Monastery/Divulgação
| Foto: Solovetsky Monastery/Divulgação

Yuri Brodsky, que dedicou sua vida a expor os segredos obscuros do antigo Mosteiro Solovetsky, apontou para uma janela do pátio pequeno e sujo, bloqueada por uma parede torta de tijolos vermelhos. Eles eram um raro resquício das quase duas décadas em que o mosteiro, que lembra uma fortaleza, serviu como o primeiro gulag da União Soviética, os restos de um período terrível inicialmente detalhado pelo ganhador do Prêmio Nobel e historiador Aleksandr Solzhenitsyn.

“Todos os vestígios do campo de trabalho estão gradualmente sendo destruídos e removidos”, disse Brodsky, um sujeito de cabelo branco, meio despenteado.

A Rússia vem discutindo formas de homenagear as vítimas do gulag, um processo altamente emotivo que culminou em agosto, quando o primeiro-ministro Dmitry Medvedev reconheceu os milhões que sofreram sob a repressão política soviética. Os ativistas viram na diretiva assinada por ele um incentivo, mas expressaram diversas dúvidas. Primeiramente, o ato essencialmente não busca responsabilidades e não há risco jurídico ou compensatório. Em segundo lugar, foi assinado por Medvedev, não pelo homem mais importante da Rússia, o presidente Vladimir Putin.

Por fim, ele acaba contradizendo o que realmente acontece em lugares como Solovetsky: minimizar o legado de opressão. Pela primeira vez desde a queda do comunismo, nem a igreja nem o governo enviaram um representante para a cerimônia anual em homenagem às vítimas do campo, em sete de agosto. Da mesma forma, o Perm-36, um gulag antigo que havia sido preservado como um museu da repressão política, foi transformado este ano e hoje está focado na história da mão de obra do campo. Uma recente exposição lá exaltou os feitos do Perm-36 na produção de madeira.

Tal atitude se tornou mais predominante, especialmente em locais controlados hoje pela Igreja Ortodoxa Russa. Os críticos dizem que a instituição encobre questões de prestação de contas ao enfatizar o papel eclesiástico desses locais. A atitude gerou uma disputa intensa pelas ilhas remotas onde se encontra o mosteiro. As Solovetsky, também conhecidas por Solovki, localizam-se no Mar Branco, 161 quilômetros abaixo do círculo polar ártico.

O debate colocou monges e peregrinos religiosos contra aqueles que acreditam que o local deve ser dedicado aos inúmeros presos políticos que morreram ali. Moradores da região, que temem serem expulsos pela Igreja, foram trazidos para a discussão, assim como as operadoras turísticas que promovem a beleza da área e a chance de ver baleias beluga e outros animais selvagens. A Unesco também se envolveu, avisando que um excesso de reconstrução pode comprometer o status de Patrimônio Mundial do mosteiro fortificado, fundado em 1436.

A Igreja vê o mosteiro como um importante testemunho do poder da fé, pois sobreviveu tanto tempo em um local tão remoto.

“Muitos santuários nacionais foram criados no silêncio de áreas desertas, mas, conforme o tempo foi passando, as cidades cresceram em torno deles. Em Solovki é fácil encontrar a solidão tão importante para a alma”, disse o abade do mosteiro, Archimandrite Porfiry, em resposta por e-mail às perguntas enviadas.

Ele caracterizou o período de gulag, de 1923 a 1939, como um mero interlúdio na longa história do mosteiro. No entanto, esse mesmo período é muito importante para aqueles que querem homenagear suas vítimas.

Em primeiro lugar, ele é o único lugar onde o governo bolchevique reconheceu — mesmo que brevemente — ter detido presos políticos. (Os czares também o usaram com essa finalidade até 1903.) Entre os primeiros encarcerados ali estavam esquerdistas russos que se aliaram aos bolcheviques durante a revolução.

“Esse é um problema muito complicado”, afirma Arseny B. Roginsky, presidente do Memorial, uma organização fundada em 1992 para homenagear as vítimas de Stalin, mas que agora é frequentemente atacada por partidários de Putin como um ninho de “agentes estrangeiros”.

Roginsky disse que o clero em Solovetsky e outros locais rezam pelos mortos sem buscar um culpado.

“Existem duas memórias competindo lá. A nossa memória busca o culpado; a da Igreja, não. É claro que o Estado se sente seguro passando essa memória para ela”.

Vários historiadores disseram que isso é especialmente verdadeiro no governo de Putin, que já trabalhou para a KGB, a agência de polícia secreta cujos precursores criaram a prisão. Segundo Solzhenitsyn, o sistema de campo de trabalho foi um experimento da polícia secreta que gerou um pesadelo prolongado, “nascido e amadurecido em Solovki”.

A ilha principal, coberta por densas florestas de pinheiros e pontilhada de lagos, tem um ar bucólico, mas meio caído. Vacas e cabras pastam livremente do lado de fora dos muros do mosteiro, em uma vila com cerca de mil habitantes. As ilhas foram consideradas sagradas muito antes de o mosteiro ter sido construído; culturas pré-cristãs deixaram para trás complexos labirintos de pedra, construídos como portais para o além. As paredes de granito da torre do mosteiro foram terminadas por volta de 1601 e resistiram a um bombardeio naval britânico durante a Guerra da Criméia.

Quando Brodsky, de 69 anos, visitou as ilhas pela primeira vez, em 1970, ainda havia muitos vestígios do campo de trabalho, há muito fechado. Como engenheiro e fotógrafo, Brodsky começou a documentar tudo. Ele localizou sobreviventes do campo por toda a Rússia em uma época em que até mesmo mencionar o gulag de Solovki era tabu. A KGB ficou sabendo de seu projeto e tentou despedi-lo.

Depois que a União Soviética entrou em colapso e alguns arquivos foram abertos, Brodsky criou uma exposição e escreveu um livro, “Solovki“, compêndio de 527 páginas de documentos, fotografias e testemunhos de antigos prisioneiros.

E eles lhe disseram que todos trabalhavam 12 horas por dia em tarefas árduas como cortar árvores, muitas vezes com pouco mais do que as próprias mãos. Só usavam a roupa com que foram presos, que acabava virando trapo. No inverno, dormiam amontoados para afastar o frio glacial; no verão, os mosquitos eram tão agressivos que uma dolorosa punição era simplesmente ser amarrado nu ao ar livre. Uma igreja remota na colina de Sekirnaya se tornou uma “câmara de punição especial”; poucos dos que foram enviados para lá retornaram.

“A ideia desse campo era transformar um indivíduo em parte de uma multidão anônima”, explica Brodsky. Muitos perderam a vida lá, embora o número total nunca tenha sido revelado publicamente.

Os monges, hoje cerca de 100, começaram a restauração do mosteiro há uma década. Porfiry, o abade, disse que a reconstrução foi necessária porque muitos dos edifícios estavam em péssimo estado. O governo planeja gastar lá aproximadamente US$ 1,7 milhão por ano durante cinco anos.

Brodsky disse que os monges foram diminuindo aos poucos sua exposição no mosteiro e por fim a encerraram. Em 2011, o ministério da Cultura substituiu a exposição por um pequeno museu em um antigo quartel na vila. Brodsky defende que o museu ameniza a vida no gulag, enfatizando os aspectos mais suaves como o teatro da prisão. A única exposição dentro do mosteiro se concentra agora na repressão do clero.

Para o abade, era apropriado abrigar o museu do gulag em um edifício construído para o campo de trabalho e alguns visitantes, como Vitaly Korzhikhin, 24 anos, concordaram.

“As pessoas vêm para o mosteiro com finalidades diferentes; algumas procuram salvação ou apoio. Para elas, seria desagradável ver essa exposição aqui dentro”, disse Korzhikhin.

Toda a história de Solovki merece ser estudada e lembrada, acredita Brodsky, mas com a Rússia vivendo um espírito nacionalista, ele não tem muita esperança de que isso aconteça.

“A história não pode ser mudada, mas pode ser analisada. Devemos admitir os erros que cometemos. Arrependimento não significa enfiar a cabeça no chão; pelo contrário, devemos olhar para trás e pensar sobre o caminho que seguimos”.

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