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Memória

Russos escavam passado difícil em busca de mortos na Segunda Guerra

 | ILYA NAYMUSHIN/REUTERS
(Foto: ILYA NAYMUSHIN/REUTERS)

A cada primavera, Sergei Osipov e algumas dezenas de companheiros seguem até os campos e florestas de Zui, na Rússia, para uma colheita macabra: eles reviram a terra úmida em busca de ossos que ficam perto da superfície — são restos de soldados soviéticos mortos em confrontos com as forças nazistas alemãs.

É um trabalho infernal, mas quem mais vai fazer? É nosso sangue, é nossa memória.

Vladimir Korolyov, agricultor que ajuda na busca de corpos de soldados soviéticos ainda desaparecidos.

“Nossos avós estão todos repousando por aqui nesta terra. Não podemos esquecê-los”, afirmou Osipov, de 53 anos, um construtor que também é líder de uma brigada voluntária de buscas chamada “Águia”.

Setenta anos após o fim da Segunda Guerra, a memória da Grande Guerra Patriótica, como ela é conhecida na Rússia, ainda é palpável. A União Soviética perdeu mais de 20 milhões de soldados e civis no conflito. Cerca de 2 milhões permanecem desaparecidos, em comparação com cerca de 74 mil militares norte-americanos ainda sumidos desde o conflito.

Centenas de voluntários escavam regiões do oeste da Rússia a cada ano em busca de ossos de soldados desaparecidos. Alguns foram enterrados em valas comuns; outros ficaram onde caíram, em trincheiras, florestas e pântanos, às vezes presos nas carcaças de seus aviões derrubados.

“A guerra ainda não acabou até que o último soldado seja enterrado”, disse Osipov, citando um general russo do século 18. Não à toa, as páginas das brigadas de buscas nas mídias sociais têm vários pedidos para “ajudar a encontrar o vovô”.

Essas memórias são agora projetadas sobre a disputa entre Moscou e o Ocidente por causa da Ucrânia. Autoridades russas e a televisão estatal chamam as forças do governo ucraniano de “fascistas”; já os separatistas pró-Rússia adotaram como símbolo a fita preta e laranja de São Jorge, promovida como um símbolo da vitória soviética.

O Kremlin comemorou a vitória em 1945 com uma triunfante parada militar, ontem, a fim de mostrar uma Rússia inabalável diante das sanções ocidentais. Os líderes do Ocidente não participam do evento.

“É ofensivo”, disse Osipov em relação à ação “esnobe” do Ocidente. “Nós libertamos todo o território dos fascistas, e agora nós somos os ocupantes? Eles estão reescrevendo tudo”, acusa o ex-oficial soviético.

Homem que tomou o Reichstag diz não odiar os alemães

O russo Aleksandr Bessarab foi um dos oficiais do Exército Vermelho que comandou o ataque ao Reichstag, episódio que precipitou a capitulação do regime nazista há 70 anos. Hoje, ele diz ter ódio dos alemães.

“Os alemães são bons. Eu os respeito profundamente por sua honestidade e pelo desejo de serem os melhores em qualquer aspecto da vida”, diz Bessarab, um coronel retirado e escritor.

Em abril de 1945, ele recebeu a árdua missão de dirigir o terceiro e último ataque contra o simbólico parlamento alemão.

Os soviéticos chegaram ao coração de Berlim em 23 de abril, mas o rio Spree impedia o avanço da artilharia, o que ameaçava os planos do ditador Stalin de tomar a cidade antes de Estados Unidos e Reino Unido.

“Em meados de abril nosso ânimo era vitorioso, mas a batalha por Berlim foi brutal. Primeiro tivemos que atravessar 30 quilômetros de canais, rios e lodaçais para chegar à cidade”, conta.

“Compreendemos que os alemães não estavam dispostos a se render. A resistência era feroz. As defesas alemãs estavam muito bem armadas. Tinham morteiros e artilharia pesada, além de vários franco-atiradores”, lembra Bessarab.

Foi então que o marechal Gueorgui Jukov mandou Bessarab tomar o Reichstag. “‘Outra vez fiquei com o mais difícil’, pensei”. Bessarab, que se apresentou como voluntário em dezembro de 1941, recorda que Stalin ordenou a tomada do Reichstag, “sem destruí-lo”.

Mas havia um problema. Para atravessar o rio só havia uma ponte, a Moltke, a 600 metros do edifício, que era bombardeada pela aviação americana e britânica. “Como os ocidentais não podiam chegar a Berlim, queriam evitar que nós fizéssemos antes. Então, Jukov disse ao (presidente dos Estados Unidos, Dwight) Eisenhower em pessoa que se não deixasse de bombardear a ponte, o Exército Vermelho atacaria as tropas norte-americanas.”

No terceiro ataque, na madrugada de 30 de abril, Bessarab comandava 500 soldados. O Reichstag era defendido por cerca de 5 mil homens. “Imagino que morreram quase todos”, lembra. “Quando cheguei ao edifício, estava tudo em chamas. Hitler há muito tempo já não estava ali, mas em um bunker. Só depois soubemos que tinha se suicidado”. Horas depois, a bandeira soviética já tremulava sobre a cúpula do Reichstag, imagem registrada em uma foto que entrou para a história.

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