A juíza Ruth Bader Ginsburg, uma defensora da igualdade judicial perante a lei, que se tornou apenas a segunda mulher (e a primeira judia) a servir na Suprema Corte, morreu na noite da última sexta-feira (18) após uma longa batalha contra o câncer. Ela tinha 87 anos.
Durante seus 27 anos no mais alto tribunal dos Estados Unidos, Ginsburg se tornou um ícone cultural progressista e foi apelidada de "Notorius RBG", como se ela fosse uma estrela do rap. O início de sua vida e carreira inspiraram um filme lançado no final de 2018, "Suprema".
A Suprema Corte anunciou que Ginsburg morreu em decorrência de um câncer de pâncreas metastático enquanto estava rodeada por seus familiares em sua casa, em Washington. O filme sobre sua vida foi lançado em um ano no qual Ginsburg frequentemente precisava se ausentar do tribunal por motivos de saúde, mas acabava voltando.
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"Acho que pessoas de todas as idades ficam animadas por ver uma mulher na vida pública que mostrou que, mesmo aos 85 anos, pode ser inabalável em seu compromisso com a igualdade e a justiça", disse Irin Carmon, coautora do livro “Notorious RBG: The Life and Times of Ruth Bader Ginsburg", à BBC em dezembro de 2018. "Não temos figuras como ela de forma suficiente. Cada vez que ela voltou [ao trabalho, após se ausentar para tratar da saúde], ela o fez com a mesma determinação e resiliência. Ela está neste trabalho [no meio jurídico] há pelo menos meio século e ainda não acabou".
Líder progressista na Suprema Corte
"Ela teve uma vida incrível", afirmou o presidente Donald Trump à imprensa quando soube da morte de Ginsburg, após realizar um discurso em Bemidji, Minnesota, na sexta-feira. "O que mais você pode dizer? Quer você concordasse ou não, ela era uma mulher incrível, que teve uma vida incrível. Estou realmente triste em saber disso [da morte da juíza]", disse o presidente, que nomeou dois juízes da Suprema Corte em seu primeiro mandato e subiu ao palco menos de 10 minutos antes da notícia da morte de Ginsburg.
O então presidente Bill Clintou anunciou no dia 14 de junho de 1993 que escolhera Ginsburg - juíza do Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia à época - como a primeira indicação de seu mandato à Suprema Corte, a fim de substituir o juiz aposentado Byron White.
"Ruth Bader Ginsburg não pode ser chamada de progressista ou conservadora", disse Clinton na ocasião. "Ela provou ser muito séria para rótulos".
O Senado parecia concordar. No que pareceria impossível hoje, os parlamentares confirmaram Ginsburg em uma votação de 96 a 3 naquele mês de agosto.
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Nascida em 15 de março de 1933 no Brooklyn, em Nova York, Ginsburg seria considerada uma líder da ala progressista da Suprema Corte. Ao mesmo tempo, ela era conhecida por sua amizade afetuosa e respeito mútuo com o ministro conservador Antonin Scalia, que faleceu em fevereiro de 2016.
Uma de suas opiniões majoritárias mais conhecidas veio em 1996, na ação Estados Unidos vs. Virgínia, quando Ginsburg pontuou que a política de admissão exclusivamente masculina do Instituto Militar da Virgínia violava a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda à Constituição dos EUA.
Carrie Severino, presidente da Judicial Crisis Network, um grupo conservador legal, observou que Ginsburg também condenou a conduta de alguns senadores durante as acaloradas discussões pela confirmação do juiz Brett Kavanaugh, em 2018.
"A juíza Ruth Bader Ginsburg foi uma pioneira que dedicou sua vida ao serviço público. Sua inteligência, trabalho árduo e comprometimento a levaram ao auge de sua profissão", tuítou Severino. "Após a confirmação de Kavanaugh, quando ativistas progressistas transformaram as audiências em um circo, Ginsburg criticou o quão contencioso o processo de confirmação havia se tornado".
O histórico de Ginsburg de defender a igualdade dos sexos inspirou o filme "Suprema", no qual Felicity Jones interpreta Ginsburg como uma estudante de Direito e, posteriormente, advogada, antes de se tornar juíza. O longa analisa sua vida pessoal e como ela ajudou na batalha do marido contra o câncer, bem como investiga o que se tornou um caso histórico de discriminação em 1972.
Questionando a legitimidade de Roe v. Wade
Apesar de ter sido uma defensora do direito ao aborto como advogada e juíza, Ginsburg questionou a decisão da Suprema Corte de 1973 em Roe vs. Wade, que legalizou a interrupção voluntária da gravidez nos EUA como um todo - antes, era uma questão que cabia a cada estado.
Em termos legais, Ginsburg disse que a decisão era muito abrangente e deveria ter invalidado apenas o estatuto do Texas, que era o que estava em discussão. Para ela, o embasamento deveria ser na igualdade de gênero, que teria ter evoluído, e não num amplo direito à privacidade.
Referindo-se à Marcha pela Vida que acontece anualmente em Washington, capital do país, Ginsburg acrescentou:
“Roe se tornou um símbolo do movimento pelo direito à vida. Eles têm um desfile anual em janeiro, na data da decisão (...). Os casos [sobre aborto] agora são todos sobre restrições, e não sobre os direitos das mulheres”.
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Em dezembro de 1992, antes de entrar para a Suprema Corte, Ginsburg afirmou em uma palestra na Universidade de Nova York:
“Suponha que a [Suprema] Corte tivesse parado por ali, declarando corretamente a inconstitucionalidade do tipo de lei mais extremada do país, e não tivesse continuado, como fez o tribunal em Roe, moldando um regime que abranja o assunto, um conjunto de regras que substituiu praticamente todas as leis estaduais em vigor. Teria havido essa controvérsia que já dura 20 anos?”.
Ao mesmo tempo, ela votou contra a constitucionalidade de leis estaduais e federais que restringem o aborto. Ela fez parte da maioria quando a Suprema Corte derrubou a proibição do aborto de parto parcial em Nebraska, em 2000, e da minoria quando a proibição federal do aborto de parto parcial foi mantida em 2007. Em ambos os casos as decisões se deram por 5 votos a 4 (a Suprema Corte dos EUA tem 9 ministros).
Em uma entrevista de 2009 ao The New York Times, Ginsburg parecia indicar que sua primeira impressão a respeito da decisão em Roe vs. Wade era que o aborto sob demanda reduziria as populações consideradas indesejadas. Ela disse que uma decisão de 1980 do tribunal sustentando a proibição federal de financiar o aborto com o dinheiro dos impostos a surpreendeu.
"Francamente, pensei que, quando Roe foi decidido, havia uma preocupação com o crescimento populacional e, em particular, com o crescimento de populações que não queremos ter em excesso. Então, Roe abriria caminho para que o aborto fosse financiado pelo Medicaid. O que algumas pessoas pensaram era que haveria o risco de coagir mulheres a fazerem abortos quando elas realmente não queriam passar pelo procedimento. Mas quando o tribunal decidiu em Harris vs. McRae, o caso teve um rumo contrário. E então percebi que minha percepção a respeito do assunto estava totalmente errada".
Agitando controvérsias
Ginsburg causou controvérsia como juíza quando, durante uma visita ao Egito em 2012, sugeriu que a Constituição dos Estados Unidos - que todos os juízes juram defender - não era um bom modelo para um novo governo.
"Eu não olharia para a Constituição dos EUA se estivesse elaborando uma constituição no ano de 2012", disse em entrevista a uma emissora egípcia. "Eu poderia olhar para a Constituição da África do Sul. Essa foi uma tentativa deliberada de se possuir um instrumento fundamental de governo que abrace os direitos humanos básicos, ter um Judiciário independente. O que eu realmente penso é que foi feito um ótimo trabalho".
Ginsburg mergulhou no campo político em uma entrevista de junho de 2016 ao The New York Times, quando disse "não consigo imaginar" o então candidato Donald Trump se tornando presidente na eleição daquele ano porque "ele não tem consistência sobre si mesmo". Ela perguntou: "como ele escapou sem entregar suas declarações de impostos?".
"Para o país, pode levar quatro anos. Para o tribunal, pode ser... Eu nem quero pensar nisso", disse.
Não surpreendentemente, ela voltou atrás em seus comentários em uma declaração escrita.
"Refletindo, minhas recentes observações em resposta a perguntas da imprensa foram imprudentes e lamento tê-las feito. Os juízes devem evitar comentários sobe um candidato a um cargo público. No futuro, serei mais cautelosa", pontuou.
Formada pela Escola de Direito da Universidade Columbia, Ginsburg foi advogada de longa data da American Civil Liberties Union (ACLU, na sigla em inglês). Em 1977, ela foi coautora de um relatório de 230 páginas intitulado "Sex Bias in the U.S. Code" ("Viés Sexual no Código dos EUA, em português), encomendado pela Comissão de Direitos Civils dos Estados Unidos.
As várias propostas polêmicas do relatório incluíam a integração de prisões que separavam os presos com base no gênero, questões sobre a exclusividade dos Meninos Escoteiros e das Meninas Escoteiras, desafios a leis que proíbem a prostituição e questionamentos quanto à celebração do dia dos pais e dia das mães em datas diferentes.
Em 1980, o presidente Jimmy Carter nomeou Ginsburg como juíza federal no Distrito de Columbia, onde ela serviu até ser indicada por Clinton à Suprema Corte em 1993.
"Muitos admiradores do seu trabalho dizem que ela é, para o movimento das mulheres, o que o ex-ministro Thurgood Marshall foi para o movimento dos direitos dos afro-americanos", disse Clinton ao anunciar sua indicação. "Não consigo pensar em elogio maior para fazer a um advogado americano".
Embora ela fosse se tornar uma progressista convicta, na época Ginsburg era considerada uma candidata do consenso.
Então líder da minoria no Senado, o republicano Bob Dole chamou Ginsburg de uma "boa escolha", enquanto o também republicano Orrin G. Hatch, de Utah, do Comitê Judiciário do Senado, previu que ela seria "uma juíza mais do que excelente".
* Fred Lucas é o principal correspondente para assuntos nacionais norte-americanos do The Daily Signal e co-host do podcast "The Right Side of History".
© 2020 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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