O caminho para o reduto final do autodeclarado califado do Estado Islâmico, no leste da Síria, é calmo em sua maior parte. Forças apoiadas pelos EUA passam por campos de flores em seus veículos blindados. Moradores procuram por trufas e cachorros vagam por terras áridas, desenterrando corpos das batalhas que foram travadas aqui.
Mas quando os veículos chegam a al-Suwar, uma cidade indescritível no caminho para a última fortaleza dos jihadistas, seus passageiros entram em alerta máximo. As armas estão engatilhadas e os motoristas aceleram. Então eles descem a estrada. "Não é seguro aqui", disse um dos jovens combatentes durante uma diligência recente. "Nós sabemos que existem células adormecidas e sabemos que elas estão nos observando."
Enquanto os quadros do Estado Islâmico montam uma posição final no que resta de seu proto-estado, o grupo já está mudando de marcha, retornando às suas raízes insurgentes e semeando células adormecidas em partes da Síria e do Iraque que controlava. As Forças Democráticas da Síria (FDS), apoiadas pelos EUA, temem permanecer nas aldeias que tecnicamente mantêm na estrada para Baghouz, o reduto final do Estado Islâmico. Os assassinatos estão aumentando, dizem os moradores locais. Os jihadistas montam postos de controle à noite e desaparecem com o amanhecer.
A ascensão sem precedentes do Estado Islâmico, que chegou a dominar um território do tamanho da Grã-Bretanha, foi possibilitada pelo caos da guerra civil na Síria e o colapso quase total das forças de segurança do Iraque através da fronteira.
Com os membros remanescentes espalhados pelo interior do deserto de ambos os países, não há nada que sugira que o Estado Islâmico reconquiste território significativo em breve. Mas especialistas alertam que os próximos meses vão determinar se o grupo poderá desestabilizar a ainda frágil situação de segurança e preparar o terreno para uma nova onda de violência.
Condições propícias
As condições em Deir al-Zour, onde o Estado Islâmico está montando sua posição final, permanecem extraordinariamente férteis para os jihadistas. Células clandestinas estão ativas em várias áreas, onde aldeias destruídas e vastas extensões de deserto são difíceis de policiar, segundo especialistas.
Do outro lado da fronteira porosa do Iraque, o governo central recuperou o controle sobre áreas antes ocupadas pelos militantes, mas a corrupção e a discriminação sectária continuam sendo um problema, e a desconfiança de longa data entre os moradores e as forças de segurança do Estado – que alimentaram o apoio local ao Estado Islâmico no passado – não foi embora.
"Uma das principais vulnerabilidades aqui é a confiança: se essas forças estão aqui para ajudá-los ou policiá-los, se elas estão lá para governar suas áreas apropriadamente ou explorá-las", disse Hassan Hassan, diretor de pesquisa do Center for Global Policy.
As FDS apoiadas pelos EUA nasceram como uma força curda síria, mas recrutaram combatentes locais à medida que avançavam em áreas dominadas pelos árabes do leste da Síria para lutar contra o Estado Islâmico. Os membros das FDS e o grupo de monitoramento DeirEzzor 24 agora dizem que grupos de combatentes árabes que antes estavam ligados ao Estado Islâmico se tornaram parte da força apoiada pelos EUA.
Combatentes locais acreditam que civis e alguns novos recrutas das FDS vazaram informações permitindo que as células adormecidas do Estado Islâmico tenham como alvo comandantes ao longo da estrada de Busayrah. Dirigindo a todo vapor em um dia recente, tropas apoiadas pelos EUA perceberam a movimentação de motociclistas. O asfalto ainda está carbonizado em um ponto, depois de uma explosão direcionada a soldados ocidentais e curdos no início deste ano.
Fuga
Acredita-se que centenas de combatentes tenham escapado de Baghouz nas últimas semanas, com muitos pagando grandes quantias a contrabandistas em troca de uma passagem segura pela fronteira iraquiana ou para áreas controladas pelo governo sírio, segundo combatentes da SDF e diplomatas ocidentais.
As FDS disseram na segunda-feira (4) que libertaram 283 sírios que haviam trabalhado com o Estado Islâmico, dizendo que eles não tinham "sangue nas mãos" e descreveram o gesto como "cooperação, fraternidade e clemência".
Mas um funcionário sírio, falando sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do acordo, descreveu-o como uma pequena concessão para influentes tribos locais que haviam solicitado a liberdade de seus parentes. "Ninguém sabe como esses acordos vão acontecer no futuro, e isto está deixando muita gente desconfortável", disse ele.
Alguns moradores locais, por sua vez, dizem que se sentem sob suspeita de elementos das FDS. Um homem, também falando sob condição de anonimato, desta vez por preocupação com sua segurança, disse que havia sido preso e torturado meses antes pela força apoiada pelos Estados Unidos depois que alguém informou às autoridades que ele estava usando o telefone nas proximidades do local de um bombardeio.
"Havia quatro interrogadores, e eles continuaram perguntando sobre minha célula dormente", lembrou o homem. "Eu sabia que estava em grande apuro, mas o que eu poderia dizer a eles? Eu disse a eles que jurei a Deus que eu era apenas um civil regular, e eles me disseram para não invocar seu nome, porque Deus não estaria aqui para mim naquele momento".
O que vem pela frente
O futuro da província será moldado, em parte, por como – e se – os Estados Unidos completarão sua retirada militar da área, anunciada pelo presidente Donald Trump. O governo do ditador sírio, Bashar al-Assad, já controla metade da província, e prometeu recuperar o restante, à força, se necessário.
"Alguém tem que garantir que as forças em solo possam aguentar quando surgir outro cenário [de insurgência]", disse Hassan. Ele projeta que, na Síria, as forças de segurança e as autoridades locais têm entre um e dois anos para serem treinadas e melhorar os serviços locais antes que surja uma nova insurgência.
"É aí que o ímpeto se desvanece e a complacência se instala. É também quando os jihadistas aprendem as rotinas das forças de segurança da maneira que precisam para montar insurreições revigoradas", disse ele.
Os desafios para o governo do Iraque são ainda maiores. Centenas de combatentes do Estado Islâmico cruzaram a fronteira do leste da Síria nas últimas semanas, apesar de uma presença militar iraquiana reforçada, e acredita-se que vários outros milhares estejam escondidos em áreas remotas.
"Lançamos uma operação para limpar esse deserto, mas é uma área complicada", disse o general Yahya Rasoul, porta-voz do comando de operações conjuntas do Iraque, rejeitando as alegações de que qualquer combatente havia violado a fronteira. "Sua capacidade de causar qualquer dano é limitada, e é apenas uma questão de tempo até que todo o Iraque seja liberado", disse ele.
No entanto, em várias províncias do norte do Iraque, células adormecidas sequestraram, mataram e emboscaram moradores locais associados ao governo ou aos serviços de segurança, e as extorsões do grupo terrorista também voltaram a acontecer. O Projeto de Dados de Localização e Evento de Conflitos Armados registra agora uma média de mais de 60 incidentes violentos do grupo a cada mês.
Grupos de direitos humanos também alertam que muitos muçulmanos sunitas que sofreram sob o domínio do Estado Islâmico estão sendo alvo de vingança pela polícia e pelos militares, bem como por membros de sua comunidade, refletindo a crença generalizada de que a sobrevivência desses sunitas sugere que eles são colaboradores.
Os pesquisadores temem que queixas de longa data – combinadas com novas que resultam da punição coletiva percebida de áreas de maioria sunita, uma vez controladas pelo Estado Islâmico – poderiam reavivar o apelo do grupo.
"Os civis têm muitas razões para ter medo da polícia com base em experiências passadas de repressão, mas a polícia também tem motivos legítimos para ter medo de civis que às vezes são difíceis de distinguir dos insurgentes em conflitos assimétricos, então é desconfiança mútua para resolver", disse Mara Revkin, parceira da Organização Internacional para a Migração do Iraque e do Centro de Desafios Jurídicos Globais de Yale para estudar se os métodos de policiamento voltados para a comunidade podem ajudar a preencher essa lacuna de confiança.
"Essa convergência de fatores desestabilizadores é muito preocupante".
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