Muito antes de condenar o uso de armas químicas no conflito sírio - e também de derrubar Saddam Hussein sob alegação de posse, jamais comprovada, de armas de destruição em massa - os Estados Unidos ajudaram o ditador iraquiano a cometer ataques com gás sarin. Com base em documentos da CIA e entrevistas concedidas por militares reformados, a revista Foreign Policy noticiou nesta segunda-feira que os EUA não só sabiam que Saddam usaria o gás como repassaram ao ditador dados vitais para sua utilização. A CIA não comentou a reportagem.
Segundo a publicação, os EUA deram ao Iraque informações sobre uma grande ofensiva do Irã em 1988 - último ano do conflito entre os dois países do Oriente Médio iniciado em 1980 - sabendo que as forças de Saddam usariam armas químicas para conter o inimigo. A Inteligência americana repassou ao Iraque informações obtidas via satélite, como a localização de instalações militares iranianas e a movimentação de tropas de Teerã. Antes disso, os iraquianos usaram gás mostarda e sarin desde 1983, sem recorrer a informações fornecidas pelos EUA, então governados por Ronald Reagan, presidente entre 1981 e 1989.
A ajuda veio em 1987, quando a CIA descobriu que o Irã planejava o ataque de peso que, caso bem-sucedido, daria a vitória da guerra aos inimigos de Saddam - e também dos EUA. De acordo com Rick Francona, coronel reformado da Força Aérea e adido militar em Bagdá em 1988, Reagan enviou um recado ao secretário de Defesa, Frank Carlucci, após saber dos planos do Irã: "Uma vitória iraniana é inaceitável". Em seguida, veio a autorização, tomada pelos altos escalões de Defesa e Inteligência dos EUA, de dar ao Iraque a maior quantidade de informação possível. Com isso, as forças de Saddam contiveram o ataque iraniano.
Integrantes de governos americanos sempre negaram ter colaborado com os ataques químicos de Saddam. Mas Francona deu uma versão diferente à Foreign Policy. "Os iraquianos nunca nos disseram que usariam armas químicas. Não precisavam fazê-lo. Nós já sabíamos", disse.
Sem preocupações
Na época, o Irã tentou levar o caso à ONU, mas não teve sucesso por não conseguir reunir provas dos ataques. Os documentos da CIA mostram que os EUA não estavam preocupados com a possibilidade de os iranianos terem acesso aos relatórios secretos que comprovavam o respaldo americano ao uso dos gases sarin e mostarda. Os americanos também avaliaram que a repercussão internacional do caso seria quase nula. A CIA estimou o número de mortos pelos ataques químicos no Irã sempre na casa das centenas ou milhares, sem dar uma cifra exata. Saddam também usou armas químicas contra o vilarejo curdo de Halabja, no Norte do Iraque, em março de 1988.
A parceria entre EUA e Iraque acabou na Guerra do Golfo, em 1990. Em 2003, os EUA invadiram o Iraque para derrubar e prender Saddam. Três anos depois, ele foi condenado à morte e enforcado.