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Os talibãs revelaram na terça-feira (7) os principais integrantes do seu novo regime no Afeganistão, todos pertencentes ao grupo fundamentalista e sem a presença de mulheres, apesar da promessa de um governo "inclusivo".
O mulá Mohammad Hassan Akhund se tornou o novo primeiro-ministro, e terá o mulá Abdul Ghani Baradar como braço direito, informou o principal porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, em entrevista coletiva em Cabul.
Embora Akhund seja membro da cúpula dos talibãs há duas décadas e um de seus fundadores, o líder do governo, também muito respeitado pelo grupo, é menos conhecido que os demais ministros anunciados.
Além de ter comandado o conselho de liderança do Talibã por duas décadas, Akhund foi ministro de Relações Exteriores e depois vice-primeiro-ministro no primeiro regime do grupo no Afeganistão.
Um relatório de sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) o descreve como "aliado próximo e conselheiro político" de mulá Omar, o líder fundador do movimento insurgente.
Membro das negociações de paz com EUA
Abdul Ghani Baradar, 53 anos, ficou com o cargo de chefia do gabinete de ministros. Cofundador do grupo e considerado braço direito do mulá Omar, Baradar era muito cotado para ser chefiar o governo do Talibã no país.
Ele atuou como vice-ministro da Defesa no regime anterior do Talibã. Depois disso, ele foi o comandante militar responsável por ataques contra forças da coalizão, segundo um comunicado de sanções da ONU.
Baradar foi preso no Paquistão em 2010, e libertado em 2018, para comandar o gabinete político do Talibã em Doha, no Qatar, e participar das negociações entre o grupo e o governo americano. Ele foi uma das principais figuras nas negociações de paz com o governo do então presidente dos EUA, Donald Trump.
Procurado pelo FBI por terrorismo
O novo ministro do Interior do regime talibã será Sirajuddin Haqqani, de 48 anos, chefe de um dos mais temidos grupos insurgentes do Afeganistão: a rede Haqqani, fundada pelo seu pai, Jalaluddin Haqqani, para combater a invasão soviética nos anos 1980.
A rede Haqqani, que inicialmente teve o apoio dos EUA no conflito com os soviéticos, hoje é uma milícia semiautônoma que foi responsável pelos ataques mais letais contra as forças da coalizão. A rede é considerada uma organização terrorista pelos EUA - embora o próprio Talibã não receba essa denominação pelo governo americano.
Sirajuddin Haqqani é uma das pessoas mais procuradas pelo FBI, por causa de seu envolvimento com atentados terroristas e ligações com a Al Qaeda. O Departamento de Estado americano oferece recompensa de até US$ 10 milhões por informações que levem a sua prisão.
Filho do fundador do Talibã
Mujahid anunciou também que Mullah Yaqoob, filho do fundador do movimento rebelde e agora chefe militar do grupo, se torna ministro da Defesa em exercício.
Yaqoob não tem uma experiência em combates tão longa quanto outros comandantes do Talibã, mas tem o prestígio do nome do seu pai. Ele foi nomeado líder da comissão militar do Talibã no ano passado e supervisionou as operações militares do grupo no Afeganistão.
"Governo provisório"
Os cerca de 20 ministros anunciados pelo porta-voz talibã pertencem à hierarquia insurgente e são todos mulás ou figuras religiosas. Nenhuma mulher ou pessoa de fora aparece na lista, apesar da promessa dos talibãs de um governo "inclusivo" com membros de fora da insurreição para representar toda a sociedade afegã.
O porta-voz principal do grupo rebelde não deu detalhes sobre o papel do líder supremo dos talibãs desde 2016, Hibatullah Akhundzada, que é considerado o novo líder espiritual supremo do Afeganistão.
Mujahid esclareceu que este é um "governo provisório", embora os talibãs tenham dado poucas pistas sobre o futuro processo político no Afeganistão.
Os talibãs tomaram o controle da maior parte do Afeganistão com a conquista de Cabul, em 15 de agosto, após uma rápida ofensiva durante a retirada final das tropas dos Estados Unidos e da Otan.
União Europeia pede diversidade e inclusão
A União Europeia (UE) está cobrando que os talibãs formem um governo que tenha marcas de diversidade e inclusão no Afeganistão, segundo afirmou nesta quarta-feira um porta-voz do bloco comunitário à Agência Efe.
"Após a análise inicial dos nomes anunciados, não parece que a formação inclusiva e representativa, em termos da rica diversidade étnica e religiosa do Afeganistão, que esperávamos ver e que os talibãs prometeram na semana passada", afirmou a fonte.
A UE, segundo o porta-voz, espera que um "futuro governo de transição" tenha essas marcas que foram anteriormente prometidas, inclusive, por ter sido um dos requisitos que os ministros de Relações Exteriores dos 27 países do bloco impuseram aos talibãs na semana passada para iniciar um diálogo.
A UE, além da formação do governo, espera que os talibãs permitam as retiradas dos europeus e afegãos que não conseguiram deixar o território do país asiático no no fim de agosto, que sejam respeitados os direitos humanos, principalmente, das mulheres, assim como a liberdade de imprensa e o acesso à ajuda humanitária.
Protestos em Cabul
Centenas de manifestantes saíram às ruas nesta quarta-feira em várias localidades do Afeganistão, cobrando garantia de direitos. Os atos aconteceram em diferentes pontos de Cabul e também nas províncias de Parwan, Takhar, Badakhshan e Ghazni, apesar da proibição feita pelos insurgentes.
Na capital, parte dos protestos teve mulheres como responsáveis pela organização, impulsionadas pelo apoio de Zainab Mazari, filha do falecido líder xiita Abdul Ali Mazari, ao chefe da resistência em Panjshir, única província não tomada pelos talibãs, Ahmad Masood.
Na manifestação, houve apelo expresso contra a exclusão feminina feita pelo grupo fundamentalista e pela imposição de um possível novo regime de opressão às mulheres.
Ontem, diversos atos realizados nas ruas do Afeganistão foram considerados "ilegais" pelos insurgentes, que exigiram que a imprensa não realizasse cobertura das manifestações.
Diversos relatos de jornalistas e testemunhas indicaram agressões e detenções nas ruas do país, tanto de profissionais de imprensa, como de ativistas, o que voltou a se repetir nesta quarta-feira.
Dois repórteres do jornal "Etilaatroz" alegam que foram brutalmente agredidos pelos talibãs, depois que foram detidos. A publicação aponta que ambos apresentam ferimentos na cabeça, face e outras partes do corpo, por isso, foram hospitalizados.