Durante sua vitoriosa campanha para a Casa Rosada, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, fez duras críticas ao Mercosul, o bloco econômico também integrado por Brasil, Paraguai e Uruguai.
O economista libertário chamou o Mercosul de “estorvo” e até sinalizou a possibilidade de saída da Argentina. “O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade, que cria distorções comerciais e prejudica todos os seus membros”, justificou.
Entretanto, com a vitória de Milei no domingo (19), embora as críticas devam continuar, a retirada argentina parece cada vez mais improvável.
Diplomatas e especialistas em comércio internacional ouvidos pela agência Reuters acreditam que o libertário agora deve baixar o tom sobre o Mercosul, principalmente diante da perspectiva de fechamento do esperado acordo com a União Europeia (UE), que o Brasil quer que aconteça até 7 de dezembro, dia em que deixa a presidência do bloco e data da cúpula no Rio de Janeiro, três dias antes da posse de Milei.
“A abertura dos mercados faz parte do discurso de Milei, então ele provavelmente apoiará o acordo com a UE, apesar das críticas ao Mercosul”, disse Welber Barral, ex-secretário do Comércio Exterior brasileiro, à agência de notícias.
A própria Diana Mondino, que será a ministra das Relações Exteriores na gestão Milei, alegou à Reuters que declarações dele foram tiradas de contexto e que na verdade o libertário vai buscar “reinserir a Argentina no mundo”, o que incluiria “fazer o máximo de comércio possível com o Brasil”.
Ainda assim, espera-se que Milei tente promover mudanças profundas no bloco. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina (Indec), Brasil, Uruguai e Paraguai estiveram entre os principais parceiros comerciais argentinos nos dez primeiros meses de 2023 (o Brasil foi o maior vendedor e o maior comprador nessa relação), mas a Argentina amargou saldos negativos na balança comercial com brasileiros (-US$ 5,415 bilhões) e paraguaios (-US$ 2,316 bilhões) e teve números positivos apenas junto aos uruguaios (US$ 927 milhões).
Entretanto, vale destacar que o agronegócio argentino, principal setor da economia local, sofreu com a seca até o primeiro semestre deste ano.
O Uruguai também já expressou insatisfação com o bloco: o presidente conservador Luis Lacalle Pou critica a demora de mais duas décadas para o fechamento do acordo com a UE e a resistência dos outros países ao tratado de livre comércio que Montevidéu tenta assinar com a China, e também já fez ameaças de deixar o Mercosul.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Igor Macedo de Lucena, economista e membro do think tank britânico Chatham House, disse que a saída da Argentina, segunda maior economia do Mercosul, certamente representaria o fim do bloco, mas acredita que isso não acontecerá.
“Porém, Milei vai pressionar por mudanças, tanto ele quanto Lacalle Pou são muito abertos em dizer que não há condições do Mercosul ficar como está, com as visões ideológicas preponderantes em relação às de economia e de governo”, disse Lucena.
“Os líderes à direita do Mercosul, que agora serão três, não querem ficar no Mercosul só por ficar, querem que o bloco tenha efeitos econômicos positivos. Ninguém mais quer acordos comerciais protocolares, de tapinha nas costas. Está na hora de fazer negócios, e acho que a população também entende assim”, afirmou.
Lucena disse que Milei ainda não indicou quais seriam as mudanças que pretende propor, mas que certamente devem caminhar no sentido de “uma economia liberal de fato”.
“Algumas eu imagino que seriam uma equalização de impostos de maneira internacional, ou seja, tarifas únicas em relação a produtos; retirar impostos sobre impostos, que são um absurdo no ponto de vista internacional e que existem no Brasil; e que na prática os acordos comerciais sejam o objetivo-fim do grupo. Por exemplo, o acordo UE-Mercosul não pode ficar parado por questões protecionistas”, afirmou o economista.
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