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O britânico de origem argelina Saad Djebbar vem acompanhando com atenção os distúrbios na Líbia. E não apenas pelo ofício de comentarista de assuntos árabes para órgãos de imprensa e instituições acadêmicas como a Chatham House e a Universidade de Cambridge. Djebbar também ganhou renome como o advogado que, no início da década passada, fez parte do time que defendeu, sem sucesso, Abdelbaset Al-Megrahi da acusação de ter participado do atentado em que um jumbo da extinta companhia aérea americana Pan Am foi destruído por uma bomba-relógio quando sobrevoava a cidade escocesa de Lockerbie, em 1988, matando 270 pessoas. O advogado ainda defende tanto Al-Megrahi (libertado em 2009 por estar sofrendo de câncer terminal) quanto o governo líbio no que diz respeito a Lockerbie. No entanto, como conta em entrevista à Agência O Globo, por telefone, a permanência de Muamar Kadafi tornou-se o que se pode chamar de causa impossível.

Que conselho o senhor daria para o líder líbio Muamar Kadafi?

Como advogado, diria para ele ir embora. Mas isso jamais vai acontecer sem um compromisso da comunidade internacional. Kadafi precisa de garantias de imunidade para ele e sua família, o que evitaria situações como acusações de crimes contra a humanidade na Corte Internacional de Haia. Ele cometeu crimes, matou e torturou muita gente. Mas para evitar uma guerra civil na Líbia, essa me parece a única solução.

O senhor acredita num compromisso da comunidade internacional?

A comunidade internacional precisa se preocupar com o bem-estar do povo líbio acima de tudo. Até porque hoje temos em liberdade o ex-premier britânico Tony Blair, que poderia muito bem estar em Haia respondendo a acusações de crimes de guerra. Em vez de se concentrar especificamente em Kadafi, o importante agora é que a comunidade internacional crie condições que estabilizem a Líbia. Para evitar mais derramamento de sangue, precisamos até cogitar uma intervenção semelhante à da Aliança do Atlântico Norte (Otan) nos Bálcãs no final dos anos 90.

Trata-se de algum tipo de simpatia por seu ex-cliente?

Gostaria de deixar claro que defendi o governo líbio e Al-Megrahi por acreditar que havia sérios problemas montado no caso pela promotoria no julgamento do atentado em Lockerbie. Até hoje não há provas conclusivas de envolvimento na ação. Nunca fui um defensor do regime. No plano pessoal, porém, sinto o que muitos árabes sentiram em 1969, quando Kadaffi tomou o poder na Líbia: ele era uma figura carismática, um símbolo do pan-arabismo, do nacionalismo e de uma postura desafiadora contra os interesses americanos, sem falar numa defesa dos palestinos. Uma espécie de Che Guevara para o mundo árabe.

E hoje?

Kadafi perdeu o prazo de validade. Foi corrompido pelo poder e ficou cada vez mais alienado, até porque cercou-se da família e criou um sistema de pactos tribais. Usou de repressão e violência. Nada soou tão triste quanto aquele discurso em que ele simplesmente disse personificar o povo líbio. Isso num momento em que mundo árabe inteiro está sendo varrido por uma onda de poder popular. Mas que ninguém espere vê-lo desistindo. Mesmo quando perdeu guerras, como a invasão do Chade, em 1979, Kadafi retirou suas tropas dizendo estar dando um presente para a estabilidade da África.

O senhor acredita que ele poderá resistir?

Ele certamente está disposto a tentar e tem como comprar a lealdade de muita gente. E da maneira como ele se apresentou na terça-feira, a possibilidade de mais mortes e de uma fragmentação não parece mais assustá-lo. Por isso volto a repetir que uma saída digna, com o aval da comunidade internacional, pode evitar que a Líbia se transforme num país ingovernável.

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