Confrontados entre uma versão radical do Islã e um código social rígido, jovens sauditas buscam nas mídias sociais uma maneira de se expressarem, ganhar dinheiro, encontrar amigos e possíveis companheiros.
Essa dependência da tecnologia — para contornar a polícia religiosa, e os olhos curiosos de parentes e vizinhos — acelerou, desde que começou no país a disseminação da televisão por satélite, nos anos 1990.
O boom da mídia social é impressionante, com muitos dos 18 milhões de cidadãos do reino passando horas online todos os dias. A mídia digital não substituiu a interação face-a-face, mas abriu a porta para uma comunicação muito mais direta e robusta, especialmente numa sociedade fortemente segregada, que separa homens e mulheres.
A disseminação da tecnologia móvel está fazendo uma verdadeira revolução social na vida dos jovens. Neste reino rico, mas conservador, que proíbe cinemas, transmissões no YouTube e Internet proporcionam uma fuga dos censores e uma janela para o mundo exterior. Um jovem juiz da sharia, por exemplo, confidenciou que tinha assistido todas as cinco temporadas de “Breaking Bad”. “Eu fiquei viciado”, disse ele.
A Arábia Saudita tem condições ideais para um boom na mídia social: Internet rápida, renda e uma população jovem com poucas opções sociais. Ao contrário da China e do Irã, a Arábia Saudita não bloqueou sites como Facebook e Twitter. A monarquia saudita parece ter decidido que os benefícios da mídia social é uma saída para os jovens superarem o risco de usá-la para mobilizar uma oposição política, que é punida severamente.
Há também benefícios econômicos.
“Muitas pessoas estão presas a seus telefones e realmente entediadas”, Kalthami Said Ali, o chefe de conteúdo para Telfaz11, que produz vídeos de comédia para o YouTube.
A empresa emprega hoje mais de 30 pessoas e se ramificou em anúncios publicitários, jogos e gestão de talentos para seus atores, que são muitas vezes perseguidos nas ruas por jovens sauditas querendo selfies com eles. Ele tem satirizado a proibição de mulheres de dirigir e os estereótipos de sauditas no estrangeiro, mas eles conhecem limites.
“Sexo, política e religião são tabus”, disse Alaa Yoosef, diretor de C3 Films, a empresa responsável por Telfaz11.
A mídia social se espalhada e seus efeitos têm sido maior entre os sauditas que têm menos de 30 anos, ou seja, mais de metade da população.
“Tecnologia é uma janela para o mundo exterior, e não há nada lá fora que nossos jovens não saibam”, afirma Abdulrahman al-Hoda Disse Helaissi, um membro feminino do Conselho shura do reino, um órgão consultivo nomeado pelo rei.
Trabalhando em casa com apenas um smartphone e um senso de humor, uma estudante universitária de 22 anos, conhecida como Amy Roko, ganhou quase meio milhão de seguidores no Instagram fazendo vídeos que mostram ela imitando a cantora colombiana Shakira, montando num skate, já que não pode dirigir.
Ela faz isso coberta com um tradicional vestido preto e véu cobrindo o rosto, o que claramente contribui para a novidade.
Roko chegou para uma entrevista no escritório de seu agente vestida da cabeça aos pés de preto, com um relógio digital, duas pulseiras e tênis de estampa de flores da Adidas.
Ela começou a fazer vídeos para escapar do tédio, disse ela, e ficou surpresa ao ver seus seguidores aumentarem. Tem alguns que a homenageiam; outros ameaçam chamar a polícia.
— Por que você está fazendo isso? Você vai arruinar a nossa reputação — alguns dizem, segundo ela. — Eu acho que as pessoas apenas gostam de odiar.
Quando perguntada o que ela gostaria de ver na Arábia Saudita, ela faz uma pausa.
— Precisamos de filmes, como, cinemas — disse. — Eu só acho que se nós pudéssemos conseguir isso, quero dizer, isso é tudo que precisamos.
O poder da mídia para efetuar a mudança social continua a ser limitada em uma sociedade sem direitos políticos. O país ainda é governado por um monarca absoluto, o rei Salman, de 79 anos. E clérigos poderosos controlam o sistema de justiça e se opõem à mudança social.
Para Raqad Alabdali, uma conservadora de 22 anos, no subúrbio de Riyad, o romance começou quando um homem que ela não conhecia respondeu a seus melancólicos posts no Twitter, com uma mensagem privada. Logo eles começaram a enviar mensagens um para o outro.
Eles trocaram números de telefone e ela lhe enviou uma foto sua num vestido branco com ombros de fora, maquiagem nos olhos e rosto descoberto.
Ele disse que queria casa-se com ela, e sua mãe ligou para a dela.
O casal está planejando um encontro entre as famílias para acertar o noivado. Será a primeira vez que estarão juntos na mesma sala.
“Não tenho dúvida que ele vai se casar comigo”, disse Raqad. Por que tanta certeza? O irmão mais velho dela e a a mulher se conheceram no Facebook.