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DESNUCLEARIZAÇÃO

Secretamente, Rússia ofereceu usina nuclear à Coreia do Norte, dizem autoridades americanas

Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un | SAUL LOEB/AFP
Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un (Foto: SAUL LOEB/AFP)

Autoridades russas fizeram uma proposta secreta para a Coreia do Norte na primavera passada, com o objetivo de resolver as negociações com o governo Trump sobre o programa de armas nucleares da península coreana, segundo autoridades americanas familiarizadas com as discussões.

Em troca de a Coreia do Norte desmantelar suas armas nucleares e mísseis balísticos, Moscou ofereceu ao país uma usina nuclear.

A oferta russa, da qual autoridades de inteligência tomaram conhecimento no final de 2018, marca uma nova tentativa de Moscou de intervir nas negociações nucleares de alto risco enquanto se reafirma em uma série de pontos geopolíticos do Oriente Médio ao sul da Ásia e da América Latina.

Não está claro como o presidente Donald Trump vai ver a proposta de Moscou. Durante meses, ele adotou uma abordagem pouco ortodoxa nas negociações, mas seus assessores provavelmente se oporão vigorosamente a qualquer papel importante da Rússia em um acordo final.

Como parte do acordo, o governo russo operaria a usina e transferiria todos os subprodutos e resíduos para a Rússia, reduzindo o risco de que a Coreia do Norte usasse a usina nuclear para construir armas nucleares, ao mesmo tempo em que forneceria ao país empobrecido uma nova fonte de energia. 

"Os russos são muito oportunistas quando se trata da Coreia do Norte, e esta não é a primeira vez que buscam energia lá", disse Victor Cha, um ex-funcionário da Casa Branca que o governo Trump considerou nomear no ano passado para ser embaixador dos EUA na Coreia do Sul.

"As administrações anteriores não receberam bem essas aberturas russas, mas com Trump você nunca sabe porque ele não adere ao pensamento tradicional", disse Cha. 

Após meses de atrasos e reuniões canceladas, as negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte ganharam um novo impulso com o anúncio de uma segunda cúpula entre Trump e o ditador norte-coreano Kim Jong-un, planejado para o final de fevereiro. 

Na terça-feira (29), uma nova avaliação das ameaças globais feita pelos EUA concluiu que a Coreia do Norte "não deve abandonar completamente suas armas nucleares e suas capacidades de produção". A comunidade de inteligência há muito tempo tem uma visão mais pessimista do que a Casa Branca e o Departamento de Estado sobre as negociações nucleares.

O Departamento de Estado, a Casa Branca, a CIA, o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional e a Embaixada da Rússia em Washington se recusaram a comentar a proposta secreta. Não está claro se a oferta ainda está em negociação ou se afetou as discussões entre Washington e Pyongyang. 

Se o regime de Kim estiver interessado, as autoridades russas pediram que Pyongyang forneça um cronograma realista de quando poderia desnuclearizar o país, segundo pessoas familiarizadas com as discussões. A CIA avaliou que a usina russa produziria uma quantidade muito limitada de subproduto irreversível, disse um funcionário que, como outros entrevistados, falou sob condição de anonimato para descrever informações confidenciais. 

Especialistas dizem que a ideia toma emprestado o projeto original do acordo fracassado de 1994 entre a Coreia do Norte e o governo Clinton, conhecido como a Estrutura Acordada, que buscava acomodar as necessidades energéticas da Coreia do Norte. 

"Era tecnicamente possível para os EUA fornecerem reatores de água leve para a Coreia do Norte, porque Pyongyang concordou em continuar a ser parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e receber salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica", disse Duyeon Kim, especialista em Coreia no Centro para uma Nova Segurança Americana. 

Mas ela observou que a proposta se mostrou controversa quando as discussões passaram da administração Clinton para a de George W. Bush. "O governo Clinton estava disposto a permitir que eles tivessem um programa de energia nuclear, mas o governo Bush, incluindo John Bolton, se opôs veementemente aos reatores de água leve", acrescentou. 

Bolton, que era subsecretário de estado para o controle de armas sob Bush, agora serve como conselheiro de segurança nacional de Trump. Mas o presidente não seguiu a abordagem linha-dura de Bolton nas negociações. 

As intenções de Moscou

Diplomatas e analistas familiarizados com as ações da Rússia disseram que Moscou tem um interesse de longa data em criar um elo de energia entre a Sibéria e a Ásia Oriental, além de ser visto como um solucionador de problemas para crises geopolíticas.

"Eles querem ser um player na península por razões econômicas e de segurança", disse Ken Gause, diretor do programa de análise de adversários da CNA, um centro de pesquisas de defesa. "Eles têm aspirações de construir um gasoduto que se estende pela Coreia do Norte até a Coreia do Sul, por exemplo. Eles compartilham uma fronteira com a Coreia do Norte e querem ter poder em decisões sobre como a segurança no nordeste da Ásia evolui". 

Gause acrescentou que não acredita que os norte-coreanos abandonem seu programa nuclear até que normalizem as relações com os EUA e acabem com as décadas de conflito entre as duas nações. "Os russos podem fazer o que puderem para facilitar a situação, mas se os Estados Unidos continuarem sendo adversários, os norte-coreanos ficarão muito relutantes em aceitar o acordo", disse ele. 

Durante as negociações com o governo de George W. Bush, a Rússia propôs o fornecimento de um reator de água leve para a Coreia do Norte em troca do desmantelamento das instalações de produção de plutônio da Coreia do Norte, disse Cha, que trabalhou na Casa Branca quando Bush era presidente. "Os EUA se opuseram a isso", porque queriam que Pyongyang aceitasse uma solução de energia alternativa que não incluísse a energia nuclear. 

"Eu imagino que os russos querem fornecer um reator de água leve, ganhar dinheiro com isso e ter uma base nos elos de energia no leste da Ásia", disse Cha, que não havia sido informado sobre a proposta russa. 

Um diplomata que se concentra em questões russas disse que o envolvimento de Moscou poderia ajudar a argumentar contra as sanções impostas para intervenções na Ucrânia. "Eles podem estar tentando voltar ao jogo global", disse o diplomata. "'Ajudamos a salvar o mundo das armas nucleares norte-coreanas, então por que as sanções continuadas?'". 

No passado, autoridades dos EUA se opuseram a dar um papel importante para Rússia no processo de desnuclearização, devido a uma desconfiança de longa data em relação a Moscou,  segundo Cha. A China, ator importante nas negociações, também se opôs a um importante papel energético russo, embora isso possa atrair Trump. 

"Se isso é parte de um acordo final, Trump pode ficar bem se cutucar a China nos olhos", disse Cha. "Os chineses não querem os russos na península, então se eles forem o principal fornecedor de energia, eles não vão gostar". 

A oferta da Rússia à Coreia do Norte, no final de outubro, ocorreu quando as negociações entre Washington e Pyongyang ficaram mais lentas porque a Coreia do Norte não divulgou um inventário de seu programa nuclear. 

Mas o ritmo das discussões melhorou no início de janeiro com uma visita a Kim Yong Chol, ex-chefe de espionagem e principal negociador da Coreia do Norte nas conversas com os EUA. Em reuniões com o secretário de Estado Mike Pompeo, Kim disse às autoridades que a Coreia do Norte nomeou Kim Hyok Chol como a nova contraparte do enviado americano para as negociações, Stephen Biegun, de acordo com o relato de duas pessoas familiarizadas com as discussões. 

A mudança de pessoal foi bem recebida pelo lado americano, que tem lutado por meses para garantir reuniões entre Biegun e seu colega anterior, Choi Sun Hee. Após as reuniões de Pompeo com Kim, Biegun se reuniu com Kim Hyok Chol para a primeira rodada de conversações em nível de trabalho entre o governo Trump e os norte-coreanos.

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