O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, convocou nesta terça-feira (31) uma “sessão urgente” do Conselho Permanente da instituição para discutir a situação política e institucional na Venezuela, invocando a Carta Democrática Interamericana.
Em resposta, o presidente Nicolás Maduro convocou uma “rebelião nacional” e mandou um recado atravessado para Almagro.
“Podem colocar a Carta Democrática assim (...) colocá-la em um tubinho bem fino e lhe dar um uso melhor, senhor Almagro. Enfie sua Carta Democrática onde bem entender. A Venezuela deve ser respeitada, e nenhuma carta vai ser aplicada à Venezuela. Convoco a rebelião nacional frente às ameaças internacionais”, afirmou Maduro, diante de milhares de seguidores.
Também nesta terça, o chefe de Estado anunciou que irá à Justiça contra a Presidência do Parlamento por “usurpação de funções” e por “traição à Pátria”.
Em um relatório de 132 páginas dirigido ao presidente do Conselho, o argentino Juan José Arcuri, Almagro pede uma sessão entre 10 e 20 de junho dedicada à “alteração da ordem constitucional” na Venezuela e ao debate sobre como “a ordem democrática” está sendo gravemente afetada nesse país.
A OEA fará sua 46ª Assembleia Geral de 13 a 15 de junho, na República Dominicana.
O porta-voz de Almagro, Sergio Jellinek, disse hoje à imprensa que, por enquanto, o secretário-geral não tem planos de levantar a questão da Venezuela na Assembleia Geral.
“Não está previsto pelo momento”, desconversou o assessor, embora tenha admitido que os chanceleres presentes na reunião poderão pôr o tema em discussão.
Os países da região, afirmou Jellinek, “devem decidir de que lado da história querem ficar”.
Almagro baseou o pedido de uma sessão urgente do Conselho Permanente no artigo 20 da Carta Democrática, que concede ao secretário-geral a autoridade para convocar reuniões imediatas para “realizar uma apreciação coletiva e adotar as decisões que considerar conveniente”.
De acordo com a Carta, o Conselho Permanente pode determinar, com a aprovação da maioria dos 34 países-membros, a realização de gestões diplomáticas para “promover a normalização da institucionalidade democrática”.
Se essas gestões fracassarem, o Conselho Permanente pode convocar, com o voto de ao menos dois terços de seus membros, uma Assembleia Geral Extraordinária de chanceleres, que pode determinar sanções mais extremas contra o país.
Entre elas, está a suspensão da OEA e, para isso, também é exigida uma votação de dois terços dos países.
Risco de ilegitimidade
“A crise institucional da Venezuela demanda mudanças imediatas nas ações do Poder Executivo”, destacou Almagro no documento, nesta terça-feira, “sob o risco de cair de forma imediata em uma situação de ilegitimidade”.
Diante do quadro, completa Almagro, a responsabilidade dos países da região é “assumir o compromisso” de obter a aplicação do que é determinado pela Carta Democrática Interamericana “de uma maneira progressiva e gradual que não descarte qualquer hipótese de resolução, nem as mais construtivas, nem as mais severas”.
Para o secretário-geral da OEA, “não existe possibilidade de normalidade democrática na Venezuela sem a necessária disposição à coabitação e convivência entre governo, partidos políticos, atores sociais e a sociedade venezuelana em sua mais ampla concepção”.
A normalidade institucional na Venezuela deve ser remediada “de modo urgente e de forma consistente com os elementos essenciais e com os componentes fundamentais da democracia representativa”, disse Almagro em sua carta.
Entre os assuntos prioritários a resolver, Almagro mencionou a realização do referendo revogatório do mandato presidencial.
“Nenhum procedimento administrativo pode ser um obstáculo à decisão do povo. Esse revogatório não pertence nem ao governo, nem à oposição, mas ao povo da Venezuela. É dever de todo governante responder ao mesmo”, completou.
‘Oferta fraternal’
Coincidindo com a divulgação do extenso documento de Almagro, a delegação da Argentina também convocou, para amanhã, uma reunião extraordinária do Conselho Permanente para discutir uma Declaração proposta pelo país sul-americano.
De apenas um parágrafo, o texto declara a “fraternal oferta” dos países da OEA à Venezuela para “identificar, de comum acordo, algum curso de ação que contribua, mediante o diálogo aberto e inclusivo com todos os setores políticos e sociais, para a busca de soluções”.
Segundo Jellinek, Almagro não deverá participar da reunião do Conselho Permanente para discutir o projeto de declaração da Argentina.
“Não creio que o secretário-geral vá à sessão de amanhã [quarta], porque não tem a lógica, na qual ele se encontra”, justificou.
“O informe do secretário-geral tem de ser tratado em uma sessão especial do Conselho Permanente convocada em função do artigo 20 da Carta Democrática Interamericana. Lá, sim, estará o secretário-geral”, acrescentou.
Almagro também considerou como “uma ideia muito boa” a participação de ex-presidentes de países da região, como sugeriu, recentemente, o titular da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o ex-presidente colombiano Ernesto Samper.
O presidente do Equador, Rafael Correa, considerou “fora de propósito” o pedido de Almagro para uma “sessão urgente” do Conselho Permanente sobre a Venezuela.
“Com o apoio da Unasul estamos tratando de solucionar este problema pelo diálogo. Acredito que este chamado do secretário da OEA está fora de propósito”.
Em 2 de maio, a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) entregou 1,8 milhão de assinaturas ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), nove vezes mais do que as exigidas para solicitar a ativação do referendo revogatório do mandato de Maduro.
A autoridade eleitoral ainda não se pronunciou sobre a validade dessa solicitação, mas o governo sustenta que mais de 40% das assinaturas coletadas pela oposição para ativar o referendo são “fraudulentas”. A lista inclui pelo menos 10.000 que seriam de pessoas mortas.
Nesta terça-feira, Chile, Argentina, Colômbia e Uruguai manifestaram seu apoio ao referendo revogatório como forma de superar a profunda crise política e econômica que abala o país.
“Reafirmamos nossa disposição de colaborar e acompanhar esta e qualquer iniciativa construtiva que surja na região a favor de um diálogo efetivo que promova a estabilidade política e a recuperação econômica na Venezuela”.
Maduro reafirma disposição de negociar com oposição na Venezuela
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, reafirmou nesta terça-feira sua disposição de dialogar com a oposição em reuniões exploratórias na República Dominicana. “Ratifico (...) que vamos manter a mesa de diálogo na República Dominicana e que vamos respeitar tudo que for acertado (...) na rota traçada para que na Venezuela haja diálogo”, disse Maduro em um ato oficial transmitido pela TV estatal.
Representantes do governo venezuelano e da oposição se reuniram - separadamente - na República Dominicana com o ex-chefe de governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, com o ex-presidente dominicano Leonel Fernández e com o ex-presidente panamenho Martin Torrijos para buscar “uma base para um diálogo nacional”, informou a secretaria geral da Unasul.
Maduro defendeu o “cultivo da tolerância política” e chamou a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) a ratificar sua disposição de dialogar “com serenidade e altivez”.
“Estendo minha mão para estes atores políticos, apesar de todas as profundas divergências que temos, para que os verdadeiros líderes da MUD não deixem as cadeiras vazias na Unasul”.
Mais cedo nesta terça-feira, Maduro disse que levará a direção do Parlamento à Justiça por “traição à pátria”, após a oposição conseguir que a Organização dos Estados Americanos (OEA) analise a crise venezuelana.
“Uma ação com mandado de segurança imediato, porque pretendem ir pedir a intervenção da Venezuela em organismos internacionais, traindo a Pátria e sem ter poderes constitucionais para representar a República”.
O governante socialista defendeu “um julgamento histórico que seja transmitido a toda a Nação” contra a direção parlamentar, presidida pelo ferrenho antichavista Henry Ramos Allup.
“Não apenas a usurpação de funções, mas pela traição à pátria em que incorreu essa Assembleia Nacional. A briga se faz brigando. Peço o apoio de todo o povo”.
O presidente acusou a oposição de pedir, com suas gestões na OEA, uma “intervenção gringa” na Venezuela. “Passou do limite, e acreditam que o povo da Venezuela vai se intimidar”.
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